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Arqueologia da Criação Artística. Stela Maris Sanmartín Resumo Este trabalho é uma dissertação de mestrado defendida em 2004 na Pós-Graduação do Instituto de Artes, da Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP, sob orientação do Prof. Dr. Ernesto Giovani Boccara. Atuo na área de Arte e Educação desde 1987 criando e refletindo sobre processos criativos. Em 1989 conclui o Master Internacional de Criatividade Aplicada Total com orientação do Prof. Dr. David de Prado Diez na Universidade de Santiago de Compostela, Espanha e esta formação gerou profundas transformações pessoais e muitas oportunidades profissionais. 'Arqueologia da criação artística. Vestígios de uma gênese: o trabalho artístico em seu movimento' nasceu do desejo de entender o processo criativo e expressa o desejo de apresentar os caminhos criativos, sensíveis que estimularam atitude exploratória e permitiram ao artista criar. Trata do processo criativo que se vive, da trajetória que se edifica ao longo de uma produção de arte, do movimento que o ato criador exige. Pretende explorar as dimensões interiores do processo criativo, o processo como um diário: obra do tempo contínuo e não linear da criação. O ponto de partida foi à compreensão do sujeito criador por intermédio da Psicologia Analítica e a aproximação da Criatividade e a Arte por meio de estudos de registros de processos, apoiados no método proposto pela Crítica Genética ( Salles PUC-SP). O estudo pretendia saber em que medida os procedimentos estudados em criatividade são, mesmo que intuitivamente, usados pelos artistas, permitindo-os gerar materiais significativos para o fazer artístico e a criação de sua poética. Coloco minha visão pessoal sobre os temas e algumas reflexões sobre resultados de aplicações práticas pessoais. Posteriormente apresento os documentos de processo dos artistas plásticos: Sandra Cinto e José Spaniol, para então traçar paralelos entre a teoria e a prática, apresentando material para novas reflexões sobre a criatividade e a arte. Abstract
O Trabalho O corpo do trabalho foi organizado metaforicamente. De uma visão macro a micro. Denominei Paisagem o Capítulo 1 das teorias em que me apoiei: A Criatividade e a Psicologia Analítica. No Capítulo 2 apresento Algumas Regiões: o homem, o caminho e o destino uma analogia, três das quatro dimensões da criatividade: Pessoa, Processo, Produto e Ambiente. Em Campos Escondidos: mapas da trilha algumas técnicas de geração de idéias e por último, Duas Localidades: Documentos de Processo onde apresento as obras escolhidas e a análise de seu percurso de criação. Foi inevitável deparar-me com a necessidade de compreender o sujeito criador, o próprio homem e sua vida psíquica, fonte de toda imaginação criadora. Desta forma, me aproprio dos conhecimentos da Psicologia Analítica e a estrutura da Psique apresentada por Jung. Jung declara que a realidade contém tudo quanto ele possa conhecer, pois qualquer coisa que atue sobre ele é real e presente. Assim, não aceita como reais unicamente os dados fornecidos aos sentidos. Nesta perspectiva somos levados a olhar nossas imagens interiores, inclusive as produzidas pelo inconsciente que para Jung se dividiam em duas modalidades: o inconsciente pessoal e coletivo. O inconsciente pessoal referindo-se às camadas mais superficiais do inconsciente, cujas fronteiras com o consciente são bastante imprecisas e guardam traços de acontecimentos ocorridos durante o curso da vida. Enquanto o inconsciente coletivo correspondendo às camadas mais profundas do inconsciente, aos fundamentos estruturais da psique comuns a todos os homens. Um substrato arcaico, herança comum que transcende os conteúdos puramente pessoais, todas as diferenças de cultura e de atitudes conscientes. A energia psíquica transforma-se em imagem e se reconhece na imagem grande importância, auto-retrato do que está acontecendo no espaço interno da psique. Para a Psicologia Analítica as imagens do inconsciente podem representar conteúdos do inconsciente pessoal em emoções e experiências vivenciadas pelo indivíduo e as imagens de caráter impessoal que se configuram a partir de disposições inatas inerentes às camadas mais profundas da psique, à sua estrutura básica (inconsciente coletivo). Jung denominou-as imagens arquetípicas que configuram vivências primordiais da humanidade, semelhante nos seus traços fundamentais, em toda parte do mundo, podendo revestir-se de roupagens diferentes de acordo com a época e as situações em que se manifestam, exprimindo, porém, sempre os mesmos afetos e idéias. "O inconsciente tem um repertório infinito de estruturas; tudo que ele precisa é de alguma estrutura externa sobre a qual se cristalizar". (Nachmanovitch, 1993: 83) As imagens arquetípicas tecem os temas míticos que exprimem, condensam as mais intensas experiências da humanidade. As imagens de caráter mitológico, diz Jung, são as linguagens inatas da psique em sua estrutura profunda. E é ai que estão as raízes de nossa vida psíquica, a fonte de toda imaginação criadora. O verdadeiro símbolo deveria ser entendido como uma expressão de uma idéia intuitiva que não pode ser formulada de outra forma ou de maneira melhor. O símbolo não traz explicações; impulsiona para além de si mesmo na direção de um sentido ainda distante, inapreensível, obscuramente pressentido e que nenhuma palavra de língua falada poderia exprimir de maneira satisfatória. Neste ponto, a obra com natureza simbólica é apresentada. Obra que se liberta de tudo o que seja pessoal, elevando-se para além do efêmero, do apenas pessoal. Graças a esse 'poder' transpessoal, os artistas embora usem o idioma de sua terra e de sua época, são capazes de falar diretamente ao coração de cada um de nós, transcendendo as barreiras do tempo, do espaço e da cultura. Vista geral da instalação da artista Sandra Cinto obra apresentada no trabalho: Detalhe: Este é o Mirante, construção em taipa de barro criado por José Spaniol no Arte Cidade em 1997, SP: Fotógrafo Nelson Kon Considerações Finais "A linha de horizonte, sem ponto de chegada nem ponto de partida, sempre aporta e inicia em algum lugar. Basta o olho pousar sobre suas costas onduladas, para em qualquer instante, inscrever-se no tempo de um lugar". (Derdik, 2001:09) A tarefa a que me propus foi consideravelmente delicada e complexa, penetrar no processo de criação e ainda de outros artistas! Ousadia, pretensão? Atraída pela intimidade do processo, olho para o interior da obra de arte para saber, adentrar aos mistérios da criação. A necessidade de olhar de fora aquilo que se vive quando se cria, para refletir sobre o fazer artístico e sistematizá-lo de algum modo. Deparei-me com a multiplicidade e uma rede de conexões entre fatos, pessoas, coisas e, tomando a criação artística como processo em fluxo de continuidade, destaquei vestígios que desvelaram a gênese das obras. Os casos apresentados situam-se como ação no tempo e a criação assumida em sua natureza de busca constante: seleções, escolhas, avanços e retornos. Pensar o vôo, pensar sobre o processo parece ser a forma de conectar sujeito-objeto, construir a ponte entre criador-obra, entre este ser criativo, artista e o contexto. Entrelaçar vida psíquica, criatividade e arte têm sentido, na direção de encontrar a voz do artista no contexto do qual faz parte. É impossível ignorar as zonas de intersecção entre as escolhas absolutamente individuais e sua inserção no meio sócio-cultural. Busco penetrar na natureza fundamental do processo criativo para revelar que o ato criativo emerge da interação profunda e próxima dos nossos principais espaços da personalidade - mente, sentimentos, imaginação -, fundindo-se com energias de processos conscientes e transpessoais. "É errado dizer que o artista 'procura' o seu tema. Este, na verdade, amadurece dentro dele como um fruto, e começa a exigir uma forma de expressão. É como um parto... O poeta não tem nada de que se orgulhar: ele não é o senhor da situação, mas um servidor. A obra criativa é a sua única forma possível de existência, e cada uma das suas obras é como um gesto que ele não tem o poder de anular". (Tarkovski, 1998:49) Sempre penso nos livros com muito carinho .Eles são para mim, duplamente, a criatura e o criador. São criatura enquanto expressão de quem os criou , são criador para cada um que os lê e recria , com seu olhar sobre o antes criado , uma nova obra , de novo pessoal e individual. Podemos olha-los como um produto acabado : uma determinada obra, de um determinado autor, escrita e finalizada em um determinado espaço de tempo . Considero, no entanto, que são objeto de múltiplas transformações enquanto manuseados. Pensem bem: quantos desejos , intenções , necessidades ou a mera curiosidade fazem com que você estenda sua mão e apanhe um livro com a inocente intenção de lê-lo? Logo você vai descobrir que não pode escapar impune desta experiência e que esta é , na verdade , mais do que uma experiência unilateral: você lê , o livro se deixa ler ; trata-se aqui de uma relação que se estabelece , uma interação , que tem o poder de modificar sua vida , seja na maneira como você vai passar a pensar, a ver a realidade, a expressar suas opiniões ... ou até a escrever um livro e de leitor passar a autor, de discípulo passar a colega ... Como uma galeria de espelhos, o livro cria e recria , estimulando o olhar de quem o vê de diferentes maneiras e assim , transformando-se a partir deste olhar.Tem mesmo o poder de mudar este olhar a cada vez que é lido , ainda que pelo mesmo leitor. O livro se oferece, se doa : ¨ leia-me, decifra-me, ri comigo, sonha comigo, aprende comigo.. .Se o fizeres eu me recriarei a partir desse teu olhar e me renovarei sempre. ¨Assim, livros são de uma potencialidade infinita, múltiplos desdobramentos de uma realidade a partir da relação que criam com o leitor. E, ao mudar de mãos , mudam em função do novo olhar que os contempla , eternizando e renovando a obra do autor .Independentes e rebeldes , recusam-se a ter um só dono ou a serem uma simples obra acabada . A próxima vez que você passar por um deles, em uma biblioteca ou livraria preste atenção: alguns vão estar gritando o seu nome, pois o elegeram como o dono do momento. |