CREARMUNDOS: Você poderia nos contar elementos que considere
importantes de sua sua trajetória profissional?
ERCÍLIA: Desde muito cedo tinha clareza
que minha missão era trabalhar com pessoas, assim, defini
que seguiria pelos caminhos da psicologia. Fui construindo minha
trajetória tanto na área clínica quanto junto
às organizações. Em 1984 direcionei meu trabalho
para o desenvolvimento de grupos. Durante estes anos tenho me dedicado
ao estudo, pesquisa e ao exercício em prol do coletivo. Acho
que “sozinhos somos fortes, juntos podemos ser mais”.
No ano de 1998 iniciei o Master em Creatividad Aplicada, quando
me despertei para trabalhar de forma mais consciente e consistente
a síntese destes dois grandes temas: grupos e criatividade.
Hoje a Zoeh Consultoria, empresa que dirijo, tem seu foco na formação
de lideranças, desenvolvimento de equipes e criatividade.
CREARMUNDOS: Por que o tema da criatividade te interessa?
ERCÍLIA: Sou uma pessoa inquieta e curiosa.
Acredito que sempre é possível fazer diferente, fazer
mais. Tenho fascínio pela construção do projeto
humano, nesta caminhada de aprimoramento do SER, que inclui o reconhecimento
do potencial criativo natural.
Em grupo, quando constato que “pessoas comuns” juntas,
podem fazer “coisas incomuns”, reforça minha
crença que somos capazes de construir um mundo mais humano,
com justiça, paz e liberdade. Recriando o micro espaço,
podemos recriar o mundo. Sonho com isto, e busco trabalhar para
isto.
CREARMUNDOS: Explique a nossos (as) leitores (as) qual é
a diferença entre dinâmica de grupos e dinâmica
dos grupos?
ERCÍLIA: A expressão mais utilizada
popularmente é dinâmica de grupo, porém, há
diferenças significativas.
A dinâmica DE grupo refere-se às técnicas empregadas
como recurso para, por exemplo, sensibilizar sobre um determinado
tema, dinamizar um conteúdo, mobilizar as pessoas, promover
o exercício do pensamento divergente e convergente, dentre
outros.
A dinâmica DOS grupos diz respeito ao processo vivido pelo
grupo, ou seja, seus padrões de funcionamento, quanto a:
- clareza de seus objetivos – a razão daquelas pessoas
estarem juntas
- definição de papéis e atribuições
- conciliação de interesses individuais e grupais
- fluidez da comunicação
- clima que se estabelece nas relações
- forma de lidar com divergências e conflitos
- confiança entre as pessoas
- tomada de decisão
- relação com o poder e a autoridade
- estilo de liderança praticado e seus reflexos
- resolução de problemas e soluções
inovadoras.
Então, podemos utilizar a dinâmica DE grupo nos mais
diversos contextos da educação, trabalho, lazer, como
uma ferramenta.
Ao trabalhar com o desenvolvimento de um grupo, meu papel é
facilitar para que seus componentes ampliem a consciência
dos padrões presentes, rompam as fronteiras do individual,
abrindo-se para distintas perspectivas. É uma trajetória
de descobertas, as quais contribuirão para o processo criativo
conjunto. Nosso objetivo é trabalhar na construção
da autonomia, na consciência da escolha, sem perder o foco
na meta coletiva.
CREARMUNDOS: Na sua opinião quais são os principais
problemas dos grupos?
ERCÍLIA: Um grupo é uma entidade
única, assim como somos únicos, como indivíduos.
Generalizar estas questões pode embaçar nossa visão,
porque como já mencionei, cada grupo vai estabelecendo seus
padrões que podem ser funcionais ou não. Cada grupo
está inserido num contexto histórico, social, político,
cultural.
Contudo, comprovamos por pesquisas e constatamos no exercício
da facilitação de grupos, que há um processo
de crescimento pelos quais passam todos os grupos, independentemente
do contexto em que estejam inseridos.
Na formação dos grupos emergem as mesmas dimensões
que surgem no desenvolvimento infantil, que Will Schutz, estudioso
do comportamento humano e dos grupos, as denomina de inclusão,
controle e afeto – esta última dimensão mais
recentemente tem recebido o nome de abertura.
O comportamento de inclusão refere-se à associação
entre as pessoas: exclusão, inclusão, pertinência,
proximidade. O desejo de ser incluído manifesta-se como desejo
de atenção, de interação, de ser distinto
dos demais.
O problema da inclusão é estar dentro ou fora. As
interações de inclusão concentram-se nos encontros.
A ansiedade de inclusão é a de que eu seja insignificante.
O comportamento de controle refere-se ao processo de tomada de
decisão entre pessoas na área do poder, da influência
e da autoridade.
O desejo de controlar varia desde meu desejo de ter autoridade sobre
os outros (e de, portanto, controlar o meu futuro) até meu
desejo de ser controlado e isentado de toda responsabilidade.
Os problemas de controle seguem os da inclusão quando o
grupo começa a se desenvolver e se iniciam os relacionamentos
interpessoais. Assim que o grupo está formado, começa
a se diferenciar. Pessoas diferentes assumem ou buscam papéis
diversificados e as lutas pelo poder, a competição
e a influência passam a ter uma importância central.
A interação típica para enfrentar tais questões
é o confronto.
O problema do controle é estar por cima ou por baixo. A
interação primária de controle é o confronto.
A ansiedade do controle é ser incompetente.
O comportamento de afeto ou abertura descreve sentimentos de proximidade,
pessoais e emocionais.
Uma vez que o afeto se baseia na construção de vínculos
emocionais, é geralmente a última fase a emergir no
desenvolvimento de uma relação humana ou de um grupo.
O problema da afetividade é estar próximo ou distante.
A interação afetiva é o abraço, físico
ou figurado. A ansiedade afetiva é ser ou não capaz
de ser amado.
Essas três dimensões – inclusão, controle
e abertura – ocorrem nessa ordem no desenvolvimento dos grupos.
Não é uma ordem rígida, mas a natureza da vida
em grupo é tal que as pessoas tendem primeiro a determinar
se querem ou não ficar num grupo, depois a determinar que
grau de influência irão exercer, e finalmente, a decidir
quão pessoalmente próximas irão se tornar.
Então, os problemas dos grupos, do ponto de vista do processo
grupal, estão relacionados às citadas dimensões
e as interfaces de seus componentes entre si, e do grupo com a figura
de autoridade.
Importante também lembrar que não há grupo
sem liderança e não há liderança sem
grupo. Ambos são simultaneamente interdependentes e interatuantes.
Por exemplo, num modelo de liderança com ênfase no
comando e controle, a criatividade não tem espaço
de manifestação. Já num modelo de liderança
integradora, o clima é mais propício para se criar
em grupo.
CREARMUNDOS: Como você conecta criatividade e dinâmica
dos grupos?
ERCÍLIA: A partir do exemplo acima, é
possível perceber que se na dinâmica de um grupo estão
presentes elementos explícitos ou implícitos, que
impedem a manifestação livre, onde a comunicação
emocional é limitada, em que há dificuldade de se
lidar com incertezas e mudanças, só para citar alguns
pontos, teremos um espaço bastante restrito para a criatividade
em grupo.
A Criatividade dentro de uma organização social é
um exercício de grupo.
Um grande desafio é estimular a divergência de pensamento
e ao mesmo tempo a coesão grupal, que pode trazer consigo
pressão para a uniformidade.
A Criatividade em grupo depende mais do gerenciamento do processo
criativo e da dinâmica do grupo do que de “criativos”
isolados.
Quando um grupo é trabalhado e está consciente de
suas forças e de suas debilidades, pode fazer escolhas mais
assertivas, assumir o comando de sua própria vida. E criar
é atitude, é escolha cotidiana.
Emprestando um pensamento de Abraham Maslow (1982), é possível
reafirmar que “O homem criativo não é o homem
comum ao qual se acrescentou algo. Criativo é o homem comum
do qual nada se tirou”.
CREARMUNDOS: Você gostaria de deixar alguma mensagem especial
para os(as) leitores(as)?
ERCÍLIA: Agradeço a Crearmundos
pelo espaço e quero salientar que a Criatividade não
significa somente ser diferente ou pouco convencional. A Criatividade
é um processo que pode ser estimulado, aprendido, é
um exercício cotidiano. Se individualmente já somos
ilimitados, imagine em grupo. Quanto podemos impulsionar transformações
significativas para a humanidade ? Criar novos mundos - este é
o meu convite pra você querido(a) leitor(a).
CREARMUNDOS agradece as idéias apresentadas pela entrevistada.
Que o(a) leitor(a) possa inspirar-se nelas. De nossa partes, estamos
seguros de que as açoes da entrevistada sao muito coerentes
com seu discurso! E é sempre um prazer estar diante de pessoas
com essa qualidade!
|