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Devolvendo a cidade aos cidadãos: do caos
ao tao (em poucas páginas)
Lúcio Fonseca
Brasileiro, educador, palestrante e... otimista incorrigível.
lucio@luciofonseca.com.br
A tecnologia resolve problemas, gerando novos problemas, que são
resolvidos pela tecnologia, gerando outros problemas, que...
Os alimentos transgênicos podem ser uma alternativa viável
para diminuir a fome no mundo, mas podem provocar sérios
desequilíbrios ecológicos, que podem ser resolvidos
através de tecnologias que...
Os defensivos agrícolas foram responsáveis pelo aumento
da produção agrícola, mas o seu uso indiscriminado
causa envenenamento dos lençóis freáticos,
dos rios e córregos, o que pode ser evitado através
de...
Uma das questões mais complicadas nos tempos atuais é
a do trânsito, principalmente nas grandes cidades. Centenas
de novos automóveis são lançados todos os dias
nas ruas das cidades – somente em São Paulo, megalópole
já sufocada por milhões de automóveis, são
mais 1200... todos os dias - gerando engarrafamentos monstruosos,
atropelamentos, batidas, stress, poluição, doenças
e morte. (Faça as contas para um mês; para um ano;
para 5 anos; pense em São Paulo dentro de 10 anos).
Paradoxalmente, o automóvel foi inventado apenas para solucionar
um grande problema para o ser humano: o de como deslocar-se mais
rápida e confortavelmente por distâncias que se tornavam
cada vez maiores. No entanto, o que já se percebe (ou, o
que é pior, poucos percebem) é que os efeitos colaterais
negativos já se estão tornando muito mais fortes que
os benefícios. O que fazer? Voltar ao tempo dos veículos
de tração animal? Vão aí algumas idéias
para uma solução, em cinco estágios.
1º. Estágio: percebendo o problema
Um paradoxo está instalado: pessoas compram automóveis
para andar mais rápido... e andam cada vez mais devagar.
As notícias dos jornais mostram, a cada dia, a dimensão
crescente do problema:
• Cidade à beira de um colapso no trânsito (Jornal
O TEMPO, Belo Horizonte-Brasil, 20/03/05 –
• Coisas da vida moderna: homem preso em engarrafamento ouve
sentença pelo celular
Uma juíza britânica ditou a sentença de um homem
que não chegou a tempo a sua audiência pelo celular,
uma vez que ele ficou preso em um engarrafamento. E o que é
pior: ele foi condenado. A informação foi divulgada
nesta sexta-feira pela imprensa britânica.
• Às 9h, havia 129 quilômetros de engarrafamento
- recorde nos últimos dois meses. (Jornal Gazeta Mercantil
– São Paulo – 26/06/01)
• SP: congestionamento chega ao recorde de 163 Km (Agência
Estado – S.Paulo – 02/04/01)
Uma questão matemática define o problema e suas perspectivas:
o tamanho das cidades é finito e a produção
de automóveis, infinita. O Brasil produz cerca de 2 milhões
de automóveis por ano, as montadoras alemãs, 5 milhões,
por ano... um automóvel médio tem aproximadamente
6m2. Como cada automóvel carrega, geralmente, apenas uma
pessoa, uma única pessoa ocupa este enorme espaço.
Em breve, conseguir simplesmente sair com o carro da própria
garagem será uma grande façanha.
Nos países em desenvolvimento, a questão é
mais dramática. O fascínio pelo automóvel,
um símbolo de “sucesso pessoal”, associado à
total falta de estrutura, são a receita para o caos. O gigante
chinês acorda de seu sono letárgico e busca vorazmente
mitigar sua ânsia reprimida de consumo: milhões de
bicicletas vão-se transformando rapidamente em milhões
de automóveis...
Embora sejam grandes vilões, os automóveis não
estão sozinhos: ônibus e caminhões ajudam a
atravancar o trânsito, contribuindo para que, mais e mais,
a vida nas cidades se assemelhe ao Inferno de Dante.
E os danos ao meio ambiente e à pessoa? O CO2 é responsável
por cerca de 64% do efeito estufa. Diariamente são enviados
cerca de 6 bilhões de toneladas de CO2 para a atmosfera,
gerados pela combustão de combustíveis fósseis,
usados por veículos automotores e muitas indústrias.
Como conseqüência, danos à natureza, ao equilíbrio
ecológico e à saúde do cidadão, gerando
ainda enorme prejuízo econômico pelos dias sem trabalho
e os gastos com hospitais e remédios. São bastante
ilustrativos os depoimentos de alguns especialistas:
• “...há um aumento na incidência de problemas
cardio-respiratórios em pacientes idosos (acima de 65 anos)
expostos à poluição, e a taxa de mortalidade
dessas pessoas aumenta treze por cento nos dias mais poluídos.
Outros trabalhos demonstram que o índice de morbidade (o
processo da doença, anterior ao falecimento) é muito
mais elevado em pessoas expostas à poluição.
Também foi demonstrado que em dias mais poluídos se
enfarta mais e há mais arritmia na cidade de São Paulo
... Se a poluição for minimizada, os recursos que
hoje são gastos em atender pacientes afetados pelo problema
poderiam ser transferidos para atender outras epidemias.”
(Dr. Chin An Lin, Médico Pneumologista, Pesquisador do Laboratório
Experimental da Poluição Atmosférica do Departamento
de Patologia da Faculdade de Medicina da USP)
• “...o grande vilão, responsável pela
geração da maior parte da poluição na
região metropolitana da cidade de São Paulo, continua
sendo a frota de veículos, principalmente os de passageiros
(...) Há, entretanto, um poluente cujo crescimento preocupa
profundamente às autoridades: o ozônio, um agente extremamente
agressivo à saúde, que ataca o sistema respiratório,
à vegetação e aos materiais, acelerando sua
oxidação. O ozônio não é emitido
diretamente por fontes; forma-se, pela reação dos
chamados precursores: COVs (carbono orgânico volátil,
gerado por solventes, combustíveis evaporados ou mal queimados),
e NOx (óxidos de nitrogênio, formados em qualquer processo
de queima) na presença de luz , por isso chamado de fotoquímico.
(Químico Cláudio Darwin Alonso, gerente do Departamento
de Qualidade Ambiental da Companhia de Tecnologia de Saneamento
Ambiental (CETESB).
(Dados expressivos podem ser também obtidos no interessante
texto O automóvel é o cidadão:
Uma inversão de valores, publicado em http://www.bicicletada.org/artigo_cultura_auto.htm)
E os milhares de mortos anualmente em acidentes de trânsito?
E as guerras já travadas – e ainda a travar –
pelo domínio dos campos de petróleo? Verdadeiros genocídios
para que os felizes proprietários de automóveis possam
continuar usufruindo do prazer de dirigir, gastando combustível
barato...
Talvez não sejam necessários mais argumentos para
demonstrar que dois paradigmas de há muito não são
mais válidos: transporte individual e combustíveis
fósseis.
2º. Estágio: todo o poder ao transporte coletivo
Em quase todas as médias e grandes cidades do mundo, a média
já é, praticamente, de um veículo para cada
dois habitantes. O que não quer dizer que cada meio habitante
possua um veículo, mas que cada habitante tem que disputar
espaço na cidade, todos os dias, com meio automóvel.
Ou seja, para cada 0,3 m2 ocupados, aproximadamente, por um indíviduo,
há 3 m2 ocupados por um veículo. Ou seja, a cidade
pertence às máquinas e não ao cidadão.
São Paulo tem aproximadamente 6 milhões de automóveis,
mas esta imensa frota transporta apenas algo em torno de 10% da
população. Os outros 90% se espremem em aproximadamente
300.00 ônibus e no sistema de metrô, que percorre apenas
uma pequena parte da cidade. Em outras palavras: para que tenham
direito ao conforto do automóvel, os 10% mais privilegiados
da população literalmente infernizam a vida dos outros
90%. A justificativa, muitas vezes razoável, é de
que o sistema público de transporte é extremamente
precário.
Contribuindo para perpetuar a distorsão, sempre que se pensa
em investir no melhoramento do trânsito, a prioridade tem
sido para a construção de caríssimos viadutos
e túneis, numa perspectiva paradoxalmente orientada para
facilitar o tráfego do veiculo de transporte individual e
não do coletivo. Uma inversão de prioridades não
mais justificável. Mesmo porque, em poucos anos, sua capacidade
de absorção de veículos fica inteiramente anulada,
pela progressão geométrica do número de veículos.
Recursos públicos jogados fora.
Assim, é vital que se mude a orientação. Reservar
os recursos públicos para o transporte público, de
massa. Colocar ônibus em quantidade suficiente para transportar,
rápida e confortavelmente, grandes contingentes populacionais.
Construir novas linhas de metrô e estender as antigas. Subsidiar
fortemente o custo do transporte público para seu usuário
(com o dinheiro economizado dos túneis e viadutos). Oferecer
sistemas diferenciados de transporte coletivo, com grau elevado
de conforto – ar condicionado, poltronas reclináveis,
etc - (e custos proporcionalmente compatíveis) para que os
atuais proprietários de automóveis se animem a deixar
seus veículos em casa.
Fornecido um sistema de transporte coletivo de qualidade, de forma
a anular as razões alegadas para o uso do automóvel,
é hora de dificultar a vida dos que teimarem em ocupar 6
m2 de rua e aumentar os índices de poluição
atmosférica.
3º. Estágio: para os automóveis, pão
e água
De simples meio de transporte, o automóvel foi-se transformando,
com o passar do tempo, em símbolo de status, objeto de desejo,
marca de virilidade, etc, etc, etc. Muitos são os que amam
mais seu automóvel do que sua própria esposa e filhos.
Ou que deixam de adquirir sua casa ou itens de maior necessidade
para ter um automóvel, mesmo com dificuldade para pagá-lo
ou até mesmo para abastecê-lo.
Fácil não será mudar esta cultura. Mas também
não impossível. Abaixo, algumas idéias, que
poderiam ser usadas, isoladamente ou em conjunto, várias
delas já colocadas em execução, com sucesso,
em várias cidades, por todo o mundo, e outras derivadas de
contribuições de amigos e interlocutores com quem
venho falando, há tempos, sobre o assunto:
• Reservar dois terços da faixa de trânsito
para os veículos coletivos e 1/3 para automóveis;
• Estabelecer cobrança de pedágio urbano: guaritas
colocadas de 1.000 em 1.000 metros, em que o valor seja, por exemplo,
R$5,89, de tal forma que, não tendo trocado, o motorista
tenha que esperar que o encarregado do pedágio vá
até a próxima guarita (de preferência a pé)
para ver se consegue troco; enquanto filas de automóveis
se formam, o motorista vê, desesperado, ônibus e mais
ônibus passarem livremente; efeito imediato: “nunca
mais saio de carro!...”
• Aplicar penalidades a veículos que trafeguem com
apenas uma pessoa;
• Dotar os veículos de chips que, interligados a satélites,
viabilizem a cobrança de “taxa de consumo de vias de
trânsito” (como as taxas de consumo de água,
energia, telefonia, já existentes) – sistema similar
já é aplicado em Cingapura;
• Implementar mais e mais ruas exclusivas para pedestres;
• Proibir o estacionamento em áreas cada vez mais amplas
da cidade e/ou aumentar estratosfericamente o preço pago;
• Proibir a exploração de estacionamentos;
• Cobrar um valor às empresas por vaga de estacionamento
oferecido aos seus empregados;
• Criar ciclovias e “motovias” (faixas exclusivas
para motocicletas) em profusão (tirando do espaço
hoje utilizado por automóveis);
• Baixar impostos incidentes sobre produção
e comercialização de veículos individuais –
bicicletas, motocicletas, patinetes, etc
A lista pode continuar indefinidamente (fica o desafio à
criatividade dos leitores). A sociedade capitalista, que inventou
o culto ao automóvel, contém seus próprios
mecanismos para cortar os tentáculos do monstro gerado e
provocar a necessária e urgente transformação
paradigmática: atacar o condutor do veículo em sua
parte mais sensível – o bolso.
4º. Estágio: “back to basics” ou
da ficção à realidade
Por incrível que pareça, não considero que
as medidas acima solucionem de fato o problema, pois atacam os sintomas
e não a raiz da questão. São paliativos, que
podem trazer um grande alívio, em muitos aspectos, mas não
em todos, além de conterem efeitos colaterais potenciais
preocupantes. Por exemplo, quando se fala em aumentar a frota de
ônibus, significa aumentar os níveis de poluição
ambiental e simplesmente substituir o espaço físico
atualmente ocupado por automóveis por ônibus. Continuaremos
a ter cidades que pertencem às máquinas e não
aos cidadãos.
Se se pensa em quebrar paradigmas, certamente não será
com idéias ortodoxas. Fazer uma revolução é,
muitas vezes, dar um passo atrás, já dizia alguém.
Voltar ao básico (“back to basics”) significa
para mim responder à seguinte pergunta: ter carro ou ter
como deslocar-se de um lugar a outro: qual é a verdadeira
necessidade? Precisamos de veículos automotores tridimensionais
ou apenas de sermos transportados de um lugar para outro, do modo
mais simples, menos agressivo e menos poluente possível?
Na busca das respostas, vamos encontrar soluções que
vão das mais banais ao mais alto “delírio tecnológico”.
As mais simples:
• Estimular as pessoas a fazerem percursos menores a pé
(os pés são o “veículo” mais saudável
e barato);
• Estimular o uso de veículos movidos a “tração
humana”: bicicletas, patinetes, etc.
Muitas questões de saúde já estariam aí
resolvidas, seja pela melhora da qualidade do ar, seja pelos comprovados
benefícios do exercício físico.
Mas nem tudo se resolverá assim. Continuará sendo
preciso transportar grandes contingentes de pessoas de um ponto
a outro da cidade, com rapidez. Como esta é uma questão
que realmente me preocupa, venho ocupando uma boa parcela de minha
capacidade imaginativa para apresentar alternativas. Em muitas delas,
a tecnologia ocupa um papel importante na solução
de um problema que ela mesma criou. Nos meus “devaneios tecnológicos”,
imagino, entre outras possibilidades:
• muitas “ruas rolantes” - ao invés de
ser suporte para carros, as ruas seriam grandes esteiras rolantes,
como as existentes em grandes aeroportos, conduzindo diretamente
as pessoas, em pistas de velocidade variável, talvez com
cadeirinhas, cobertura contra sol e chuva, etc; tais ruas/esteiras
seriam, sempre que possível, movidas por energia solar (as
placas coletoras estariam localizadas sobre a cobertura) ou por
bio-combustíveis (o Brasil tem um fantástico programa
de combustíveis alternativos, derivados da cana e de biomassa
em geral); um veículo “unidimensional”;
• Nestas ruas rolantes, pistas exclusivas seriam destinadas
ao transporte e entrega de cargas, eliminando a necessidade de tráfego
de grandes caminhões;
• Ruas íngremes servidas por teleféricos (aqueles
em que as cadeirinhas vêm passando e as pessoas sentam), também
movidos por energia solar ou bio-combustível.
A fabricação dessas esteiras e teleféricos
passaria a ser o novo produto das atuais montadoras de automóveis,
que, embora diminuíssem em muito a produção
de veículos (estes poderiam continuar a ser usados para passeios
de fim de semana e viagens), não teriam razões para
demitir seus funcionários. Concessionários de transportes
coletivos passariam a explorar este novo meio, abandonando os ônibus.
O trânsito através destes novos meios poderia custar
pouco mais que nada para a população, pois seria subsidiada
pelo governo, usando toda a economia feita em obras e no fantástico
decréscimo de gastos com doenças respiratórias,
nos hospitais públicos.
Com algumas “variações em torno do mesmo tema”
(qualquer semelhança com o ambiente do desenho “Os
Jetsons” é mera “intenção”),
poderíamos construir soluções que, de fato,
devolvessem a cidade ao cidadão, garantindo seu direito de
ir e vir, com paz e saúde, mas usando da cidade apenas o
espaço que seu próprio corpo ocupa.
Loucura? Alucinação? Alguém já disse:
“Para que precisamos de automóveis, se temos cavalos?”
Projetar-se no tempo. Pré-ver. Ter coragem para perguntar
por que é assim e se é preciso continuar a ser assim.
A inteligência nos foi dada para ser usada, em nosso benefício
próprio, mas respeitando a prevalência do interesse
coletivo.
5º estágio: bem vindo à utopia
Devolver a cidade aos cidadãos. Fazer dela um espaço
de liberdade, aprendizagem, lazer e cidadania. Um espaço
onde as pessoas possam efetivamente se encontrar e... respirar fundo.
É ficção? Ou deveria ser a realidade? Não
estaria já semi-instalada, em nossas cidades, a “ficção”
de Mad Max ou Blade Runner? Se pensarmos bem, estamos, de certa
forma, aprisionados a uma tenebrosa ficção, mas –
respiremos aliviados, ainda que não muito forte, ainda –passível
de ser convertida em uma reconfortante realidade.
Imagine, por exemplo, um centro expandido da cidade, totalmente
livre de ônibus e automóveis, que ameaçam quem
não sai da frente, que poluem terrivelmente. Em lugar de
automóveis furiosos e ônibus fumacentos, plácidos
bondes e alegres trenzinhos com pneus de borracha.
Imagine que todas as ruas desse centro expandido fossem transformadas
em espaços de lazer, aprendizagem e cidadania: pequenas quadras
de futebol, vôlei, peteca, queimada... oficinas de esportes,
artes, música, artesanato e jogos (inclusive os antigos),
com monitores (funcionários da Prefeitura e/ou voluntários)
para ensinar e selecionar talentos, que poderiam ser encaminhados
a outras instituições mais especializadas, para quem
sabe, se transformarem em profissionais. Ônibus (parados!),
adaptados para a ministração de cursos de operação
de computadores e acesso à Internet (onde estava mesmo aquela
tal de exclusão digital ?) ou para emitirem carteiras de
identidade e trabalho, ou para tirarem a pressão e dar orientações
sobre saúde e nutrição, ou prestarem informações...
Imagine garotos de rua e garotos de apartamento disputando juntos
uma boa partida de futebol de salão ou acirradas partidas
de xadrez, nos inúmeros tabuleiros disponíveis, com
assistência de mestres.
Imagine senhores e senhoras de mais idade, garotos, rapazes e moças
novas, participando de oficinas de arte, ou aprendendo a tocar instrumentos,
ou a cantar num coral, tudo ao ar livre. Palhaços. Músicos
de rua. Bandas de música. Pobres e ricos sorrindo. Voluntários
ajudando. Um eterno happening sócio-cultural, integrando
milagrosamente excluídos e incluídos.
Onde estão os pivetes e os trombadinhas? Tem uns ali, ó,
disputando o torneio de xadrez, e outros na oficina de reciclagem
de garrafas plásticas. E os policiais? Metade quis participar
do coral popular e a outra metade está aprendendo a tocar
instrumento, para entrar na banda da Polícia Militar...
6º. Estágio: construindo o caminho até
a utopia
Nas crianças e jovens sempre residiu a esperança
de mudanças. Foram as crianças, por exemplo, que “obrigaram”
os pais a usar o cinto de segurança (pelo menos no Brasil,
esta foi uma mudança cultural muito difícil); foram
as crianças que fizeram muitos dos pais abandonarem o cigarro.
Foram as crianças... Se, ao lado de ações imediatas,
for feito um grande trabalho nas escolas, a utopia não ficará
tão distante. Penso que esta reflexão pode se converter
num bom projeto interdisciplinar, que, com a ajuda de recursos de
tecnologia da informação, constituiria um rico momento
de conscientização e contribuição social
dos alunos.
Imagino um projeto que contemple alguns dos seguintes aspectos:
1. O que são paradigmas?
2. “Cada pessoa, um veículo”
a. o tamanho das cidades é “finito” ; a produção
de carros é “infinita”: onde vamos parar?
b. Um carro ocupa 6 m2; em cada carro, normalmente só uma
pessoa; cada pessoa, portanto, ocupa 6 m2 de rua; pesa, no mínimo,
800 kg e, para deslocar uma pessoa de 70 kg, consome o combustível
necessário para 870 kg;
i. Que efeitos colaterais este paradigma traz, para as pessoas e
para o ambiente?
ii. é inteligente este paradigma?;
iii. justifica as “guerras” urbanas, que matam e mutilam
milhares de pessoas por ano, em acidentes, ou guerras de verdade
entre países, pela posse das fontes de combustível,
com o sacrifício de milhares de vítimas inocentes?
iv. é possível/desejável manter esse paradigma,
nos dias atuais?
v. É possível mudar esse paradigma?
c. Carro: de meio de transporte a símbolo de status - Por
quê? Que outras distorções como esta existem
em nossa sociedade?
d. Por que as pessoas aceitam como natural perder horas no trânsito?
3. Ter carro ou ter como deslocar-se de um lugar a outro: qual é
a verdadeira necessidade?
4. De que tipo de cidade precisamos? Que cidade queremos? Que cidade
estamos tendo?
5. Em que situações o uso do automóvel seria
razoável? Afinal, é proibido ter carro?
6. E se não existissem automóveis? Que outras soluções
poderiam oferecer transporte de massa, sem os efeitos colaterais
que o uso de automóveis traz? Como a tecnologia poderia ajudar?
Há exemplos bem sucedidos, em algum lugar do mundo? E na
ficção científica?
É dever da Escola patrocinar a discussão contínua
sobre a vida em comunidade. Penso que um projeto como este –
com chances naturais de integrar disciplinas como a Geografia (questões
urbanas), a Matemática (Estatística), Ciências/Biologia/Química
(causas e efeitos da poluição, stress, doenças
urbanas), História (paradigmas, história dos transportes),
Literatura (a ficção científica – o futuro:
problemas e soluções) – pode ser uma oportunidade
de exercício criativo de cidadania e de conscientização
dos aspectos políticos e sociais inerentes ao desenvolvimento
e uso da tecnologia em favor do ser humano. Com essa meninada nascida
em “berço tecnológico” vasculhando a Internet,
trocando informações com jovens de todos os cantos
do mundo e botando a cabeça para funcionar, certamente soluções
fantásticas irão surgir.
P.S: Se algum dos leitores encarar o desafio de desenvolver esse
projeto em sua escola, gostaria muito de ser informado dos resultados.Gostaria
muito também de ouvir opiniões, críticas e
sugestões sobre o tema.
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