MUNDOS DIALOGADOS  

FILOSOFÍA   

O PENSAMENTO COMPLEXO DE EDGAR MORIN E SUA ECOLOGIA DA AÇAO  

Edgar Morin ( Paris, 1921) é considerado um dos maiores pensadores do século XX. 

É doutor honoris causa em 17 universidades de diversos países tais como Itália, Portugal, Espanha, Dinamarca, Grécia, México, Bolívia e Brasil (Em Joao Pessoa e Porto Alegre). 

Para estudar os problemas do humano e do mundo contemporâneo, passa por ditintas áreas do conhecimento: ciências biológicas, ciências físicas e humanas entre outras. Tem formaçao pluridisciplinar, é sociólogo, antropólogo, historiador, geógrafo e filósofo, mas acima de tudo é um intelectual livre que nos propõe uma visao transdisciplinar  do pensamento.  Tem mais de 40 livros de Epistemologia, sociologia, política e antropologia, publicados e traduzidos para diversas línguas. Merece ser destacada sua obra de 4 volumes intitulada El Mètode que trata da transformaçao das ciências e do seu impacto na sociedade contemporânea. É diretor do Centro de Estudos Transdisciplinares em Paris, presidente da Agência Européia de Cultura da UNESCO e presidente da Associaçao de Pensamento Complexo. É um apaixonado pelas artes em geral, principalmente pela literatura e pelo cinema. E gosta de ressaltar que durante a II Guerra Mundial, foi combatente voluntário da resistência francesa nos anos de 1942 a 1944, lutando contra o nazismo e o stalinismo.

Nosso encontro ocorreu no cenário gótico da Universidade de Girona, na Espanha. Edgar Morin estava ali como convidado do professor José Maria Terricabras da cátedra Ferrater Mora, a quem devemos nosso mais caloroso agradecimento por facilitar essa entrevista.

 

CREARMUNDOS: Qual é a educaçao necessária para o século XXI?  

EDGAR MORIN: Há que se fazer uma total reorganizaçao da educaçao. E essa reorganizaçao nao se refere ao ato de ensinar. Refere-se à luta contra os defeitos do sistema que estao cada vez maiores. Por exemplo, o ensino de disciplinas separadas e sem comunicaçao entre si produz uma fragmentaçao e uma dispersao que nos impede de ver globalmente coisas que sao cada vez mais importantes no mundo. Existem problemas centrais e fundamentais que permanecem completamente ignorados ou esquecidos e que sao importantes para qualquer sociedade e qualquer cultura.  

 

CREARMUNDOS: O senhor se refere ao seu estudo sobre os sete saberes necessários para a educaçao do futuro?  

EDGAR MORIN: Sim refiro-mo aos sete saberes necessários que implicam em ensinar a:  

I-                  reconhecer as cegueiras do conhecimento, seus erros e ilusoes

II-               assumir os princípios de um conhecimento pertinente

III-            condiçao humana

IV-             identidade planetária

V-                enfrentar as incertezas

VI-             compreender

VII-          ética do gênero humano

 

CREARMUNDOS: Poderia nos fazer um comentário mais detalhado sobre cada um deles?  

EDGAR MORIN: Entende-se que reconhecer as cegueiras do conhecimento, seus erros e ilusoes é assumir o ato de conhecer como um traduzir e nao como uma foto correta da realidade. Trata-se de armar nossas mentes para o comabte vital pela lucidez e isso significa estar sempre buscando modos de conhecer o próprio ato de conhecer.  

Por assumir os princípios de um conhecimento pertinente entende-se a necessidade de ensinar os métodos que permitam apreender as relaçoes mútuas e as influencias recíprocas entre as partes e o todo desse mundo complexo. Trata-se de desenvolver uma atitude mental capaz de abordar problemas globais que contextualizem suas informaçoes parcias e locais.  

Ensinar a condiçao humana deveria ser o objeto essencial de qualquer sistema de ensino e isso passa por considerar conhecimentos que estao dispersos em várias disciplinas como as ciências naturais, as ciências humanas, a literatura e a filosofia. As novas geraçoes precisam conhecer a unidade e a diversidade do humano.  

Ensinar a identidade planetária tem a ver com mostrar a complexidade da crise planetária que caracteriza o século XX. Trata-se de ensinar a história da era planetária, mostrando como todas as partes do mundo necessitam ser intersolidárias, uma vez que enfrentam os mesmos problemas de vida e de morte.  

É preciso aprender a enfrentar as incertezas reveladas ao longo do século XX através da microfísica, da termodinâmica, da cosmologia, das ciências biológicas evolutivas, das neurociências e das ciências históricas. É preciso aprender a navegar no oceano das incertezas através dos arquipélagos das certezas. 

Compreender é ao mesmo tempo meio e fim da comunicaçao humana, portanto nao pode ser algo desconsiderado pela educaçao. E, para tanto precisamos passar por uma reforma das mentalidades.  

Por ética do gênero humano entendo uma abordagem que considere tanto o indivíduo, quanto a sociedade e a espécie. E isso nao se ensina dando liçoes de moral. Isso passa pela consciência que o humano vai adquirindo de si mesmo como indivíduo, como parte da sociedade e como parte da espécie humana. Isso implica conceber a humanidade como uma comunidade planetária composta de indivíduos que vivem em democracias.  

 

CREARMUNDOS: Sua proposta é muito interessante, mas parece ir contra um movimento que tem ocorrido tanto na Espanha, quanto no Brasil. Trata-se da proposta de realizar avaliaçoes que buscam medir a quantidade de conhecimento dado por essas disciplinas fragmentadas. Com base em dados vindos dessa forma de avaliar, separa-se os alunos pelo nível de informaçao que foram capazes de reter e se afirma uma média educacional nacional. Como o senhor vê esse tipo de iniciativa?  

EDGAR MORIN: Nao sou a favor de nenhum tipo de segregaçao, uma vez que ao longo da vida passamos por tudo: atrasos, progressos, encontros, desencontros, crises. Esse tipo de avaliçao é uma forma de segregaçao que nao ajuda a organizar o conhecimento e suas relaçoes entre as distintas informaçoes. Os dados e fatos que cabem em avaliaçoes desse tipo nao sao conhecimentos, representam um vazio que nao reflete nenhum dos sete saberes encunciados anteriormente.

 

CREARMUNDOS: Um outro contra-exemplo para a idéia que o senhor apresenta seria o ocorrido em 11 de setembro de 2001, nao é verdade?  

EDGAR MORIN: É evidente que sua pregunta é muito importante e pede um tipo de resposta que vai além do tempo que podemos dedicar a essa entrevista. Mas, vou tentar resumir o que penso sobre isso. Temos ouvido falar de choque de civilizaçoes em discursos pessimistas que revelam um maniqueísmo simétrico com direçao trágica. De um lado, o fenômeno da modernizaçao que é baseado na homogeneizaçao geral, é um processo que suscita diversos tipos de reaçao nas civilizaçoes mais antigas. Elas se aferram a seu passado, às suas raízes e à sua religiao, porque têm medo de perder sua identidade. De outro lado, fracassou no mundo ocidental, a fé no progresso tecnológico e econômico como algo que nos conduzia à um mundo melhor. Já se sabe que esse progresso pode gerar inclusive o fim do mundo com uma guerra atômica.

Mas, nao podemos entender as consequências possíveis desse momento como determinaçao histórica. E portanto, nao devemos aceitar a idéia da inevitabilidade da guerra.  

 

CREARMUNDOS: Mas parece que temos outros indícios que também vao em direçao contrária ao que o senhor propÕe. Estamos vendo que tanto na Europa quanto em outros países do mundo, a extrema direita tem avançado de modo muito evidente. Como o senhor vê esse retorno à ideologia de extrema direita?  

EDGAR MORIN: Concordo que há uma ressurreiçao de coisas do passado que deveriam ter sido esquecidas ao longo do tempo. Mas, a questao é saber se isso é algo que permanecerá minoritário e localizado ou se pode vir a assumirr grandes proporçoes em todo mundo. Compreende-se que isso ocorre em funçao do clima de incerteza atual e da angústia gerada por essa política do dia – a – dia que nao dá esperanças de melhora para seus cidadaos. A globalizaçao e a imigraçao que vem principalmente da África e dos países da América do Sul tem causado na Europa um aumento da necessidade de identidade nacional. Essa identidade de pátria, faz com que as relaçoes de cooperaçao internacional fiquem frágeis, além é claro de dar lugar a inúmeros tipos de açoes racistas. A imigraçao da forma como está ocorrendo tem trazido questoes complexas como a marginalizaçao, a deliquência juvenil e o consequente  aumento de violência urbana. Da forma como aparecem, esses sao fatores que favorecem a extrema direita.

Mas, volto a insistir que nao sao determinismos, o futuro está limpo e nao se deve pensar que o perigo é inevitável. Precisamos estar em estado de vigilância para que isso nao cresça, mas nao em estado de alarma como se esse fosse um mal inevitável. Para contrapor a tudo isso está a educaçao. E é por isso que venho desenvolvendo os últimos volumes da obra El métode. O quinto volume está dedicado à educaçao e no sexto volume, desenvolvo minha proposta ética de resistência à crueldade do mundo.

 

CREARMUNDOS: O senhor poderia nos explicar as linhas gerais essa sua proposta ética?  

EDGAR MORIN: Falo de auto – ética, de sócio-ética, de antropo-ética e de ética planetária. Isso porque vejo o indivíduo, a sociedade e a espécie como categorias interdependentes. Diante de toda a complexidade contemporânea nao há como descartar alguma dessas perspectivas. O problema atual da ética nao é o dever, a prescriçao, a norma. Nao precisamos de imperativos categóricos. Precisamos de saber se o resultado de nossas açoes corresponde ao que queríamos para nós mesmos, para a sociedade e para o planeta. Já sabemos que nao basta ter boa vontade, uma vez que em nome dela foram cometidas inúmeras açoes desastrosas. A minha ética é uma ética do bem pensar e está implícito nisso toda a minha idéia de pensamento complexo.

 

CREARMUNDOS: O senhor poderia apresentar uma síntese de sua teoria do pensamento complexo?  

EDGAR MORIN:  Muitos me vêem como sintetizador, unificador, afirmativo e suficiente que trata de apresentar uma teoria sistemática e global. Mas, devo admitir que isso é um engano, eu nao tenho uma teoria que sai do bolso afirmando: “aquí estou, podem jogar fora seus paradigmas anteriores! Claro é que essa proposta de pensamento complexo é fruto de um esforço em articular saberes dispersos, diversos e adversos. Mas, a própria idéia de complexidade conduz a uma impossibilidade de unificar, uma vez que parte da incerteza e admite o reconhecimento cara a cara com o indizível. A complexidade nao é uma receita que eu dou, é apenas um convite para a civilizaçao das idéias.

O pensamento complexo é a uniao entre a simplicidade e a complexidade. Isso implica em processos como seleccionar, hierarquizar, separar, reduzir e globalizar. Trata-se de articular o que está dissociado e distinguido e de distinguir o que está indissociado. Mas, nao é uma uniao superficial, uma vez que essa relaçao é ao mesmo tempo antagônica e complementária.  

 

CREARMUNDOS: O senhor gostaria de enviar alguma mensagem especial para os leitores da revista CREARMUNDOS?  

EDGAR MORIN: Que sigamos com nossa ecologia da açao!

 

CREARMUNDOS: A revista agradece ao professor Josep Maria Terricabras e à cátedra Ferrater Mora da Universidade de Girona pelo apoio à realizaçao dessa entrevista, bem como à professora Irene de Puig pela facilitaçao às informaçoes. Agradece evidentemente ao entrevistado que por sua atitude durante a entrevista demonstrou ser coerente com as idéias que apresenta. Pedimos permissao a ele para encerrar essa entrevista citando-o:

“Somos habitantes da Terra. Citamos a Holderlin e completamos sua frase dizendo: prosaica e poéticamente o homem habita a Terra. Prosaicamente (trabalhando, fixando-se em objetivos práticos, tentando sobreviver) e poéticamente (cantando, sonhando, gozando, amando, admirando), habitamos a Terra.

A vida humana está tecida de prosa e poesia. A poesia nao é só um tipo literário, é também um modo de viver a participaçao, o amor, o fervor, a comunhao, a exaltaçao, o rito, a festa, a embriaguez, a dança, o canto que transfiguram definitivamente a vida prosaica feita de tarefas práticas, utilitárias e técnicas. Assim, o ser humano fala duas linguagens a partir de sua língua. A primeira denota, objetiva, funda-se na lógica do terceiro excluído. A segunda fala através da conotaçao, dos significados contextualizados que rodeiam cada palabra, das metáforas, das analogias, tenta traduzir emoçoes e sentimentos, permite expressar a alma. (...) No estado poético, o segundo estado se converte em primeiro.”

Esperamos que a entrevista inspire o leitor a seguir educando prosaica e poeticamente, lembrando que um estado pode converter-se em outro.