MUNDOS REFLEXIONADOS  

ÉTICA  

O VALOR ECONÔMICO DA ÉTICA

Paulo Volker
filósofo, educador e consultor. Atua em distintas partes do Brasil e da Itália

pvolker@uol.com.br

 

Lançada rapidamente naquela periferia de assuntos retóricos ou “do mundo da lua”, por  um mercado cada vez mais competitivo e selvagem, a Ética não conseguiu atingir a sensibilidade financeira das empresas. “Afinal” - pensam os senhores das finanças – “esse assunto é para o pessoal de RH, não tem nada a ver com a minha área”.  

Ledo engano. Em nome de “centros de custos” afetos as áreas de segurança interna, controle, vigilância, entre outros, as empresas acumulam crescentes despesas que, em última instância, se referem a uma questão Ética.  Afinal, gastos com sistemas de tecnologia  “Pan/Tilt/Zoom”, multiplexadores, sistema Time-Lapse, entre outras tantas parafernálias de monitoramento instaladas dentro das empresas, em salas, corredores, até em banheiros, se fundamentam no pressuposto de que funcionários precisam ser vigiados, porque podem roubar, boicotar, sabotar, mentir, negligenciar, subornar, enfim ... serem aéticos !  

Sistemas como, p.ex.,  o SilentRunner, é, explicitamente,  um  programa para as empresas que desconfiam que os seus funcionários  podem utilizar arquivos para cometer atos de pirataria eletrônica. E como esses, existem milhares de produtos fundados no paradigma de que não se pode confiar na Ética dos funcionários.

Rigorosamente, até mesmo o prosaico “cartão de ponto” existe a partir desse pressuposto, afinal é necessário vigiar a entrada e a saída dos colaboradores, porque eles podem não estar cumprindo com suas obrigações.

Portanto, quando se coloca a discussão Ética no rol das “filosofias” abstratas e aéreas, que não dizem nada sobre o cotidiano das organizações, estamos esquecendo o quanto custam as atitudes aéticas para as empresas e para toda a nação brasileira.

Para exemplificar o custo da falta de Ética, basta lembrar o caso contado por um diretor financeiro do escritório de uma grande  empreiteira em São Paulo. Diz esse diretor que "...pelo menos 10% de tudo isso [10 bilhões de reais] virou propina. É coisa de 1 bilhão de reais de caixinhas" (Revista Veja - Edição 1 741 - 6 de março de 2002).

Esse exemplo nos mostra a ponta de um iceberg de tamanho colossal.  Interessado em saber o tamanho desse monstro,  o Prof. da FGV, Marcos Fernandes Gonçalves da Silva, diz que o custo da corrupção no Brasil corresponde a algo em torno de 25.4% do PIB por ano (In. “Como Corrupção Fere Crescimento ?. FGV. 2001), custo esse que nos coloca na 37a  posição de um ranking de 81 paises, ao lado  da Coréia, Tunísia, Gâmbia,  Guiana  e Suazilândia.  A Dinamarca, com o índice de corrupção 1 ou corrupção nula encabeça essa lista. O bloco do Brasil são os países com índice 0,4, sendo que  o último da lista,  Camarões, tem o índice 0,1251. 

Essa tragédia nacional vem sendo enfrentada com uma despesa que gira em torno de 40 bilhões de dólares, com a  imensa parafernália tecnológica de segurança. A opção nacional, tanto do setor público, quanto do setor privado é acreditar que a pessoa é mesmo aética e, portanto, o melhor que se pode fazer é vigiá-la. 

Sendo assim, as empresas traçam sua estratégia de guerra contra a atitude aética, instalando dispositivos que objetivam criar um “muro de fogo” em volta dos valores da instituição.  O que essa escalada de despesas mostra em  cada balanço anual, são que os gastos não param de crescer e não existe “firewall” que resista á determinação de um canalha.

Esse paradigma, embasado na  velha “lei de Murphy”, diz que a pessoa que pode ser aética será aética. Essa idéia é uma extensão estatística da “lei de Gerson”: todo mundo é esperto e tira vantagens sempre que pode. Com essa “visão de mundo” levada a sério,  as empresas entram numa espiral paranóica que tende ao absurdo. Sendo todo mundo esperto e áetico, quem sobra ?  Quem vai vigiar o vigia ? Quem vai controlar o controler ?

Nessa espiral,  o colega é um problema, o cliente é um transtorno e o parceiro é visto verdadeiramente como um adversário. Por isso,  não surpreende que autores como Clausewitz, Fouché e Sun Tzu tenham se tornado “best-sellers” no meio empresarial. O clima é de guerra total.

O problema, assim nos dizem os teóricos da “Teoria dos Jogos”, é que esse tipo de paradigma nos leva necessariamente a uma situação de aniquilamento, pois as despesas que pressupõem o perigo são auto motivantes e encontram justificativas para crescerem até num trivial cisco em cima da mesa. Parte importante dos investimentos, que deveriam estar realizando o objetivo social da empresa,  são alocados para diminuir uma paranóia que não se refere a um problema  técnico, administrativo nem racional, é um problema Ético !

Mas vamos imaginar uma outra situação: e se as empresas mudassem de paradigma ?  E se as organizações  tirassem a Ética da estratosfera onde orbitam as utopias e os idílios e a colocassem no chão da fábrica, na mesa dos escritórios, nos corredores das instituições, como uma atitude concreta, uma prática cotidiana, um requisito básico e essencial de todos os colaboradores ? 

Não tenham dúvidas, desmontado o ambiente da desconfiança, desestruturada a estratégia da paranóia, minimizadas as táticas do medo, as despesas com controle, segurança e vigilância começam a cair. 

É claro que outro grupo de despesas nasce, afinal, um novo conjunto de conceitos deverá tomar o lugar do jargão da desconfiança. Desta forma, palavras como tolerância, compaixão, comunhão, alegria, honestidade, generosidade,  veracidade, amizade e dignidade passarão a ser repetidas e a organizar a atualização, a qualificação e a reciclagem de todo o time da organização. Nesse momento, a segurança, o controle e a vigilância deixam de ser feita por alguém externo à pessoa e passa a ser feita por ela mesma ! Imaginem a eficácia desse sistema de segurança ! Imaginem a economia dessa atitude !

A “lei de Murphy” será substituída pela “lei da neguentropia” dos sistemas complexos e a “lei de Gerson” dará lugar à lei das complementaridades e sintonias, pilares de todos os processos de aperfeiçoamentos e evoluções.

Nesse novo paradigma, os investimentos serão centrados em  treinamentos de atitudes Éticas, seminários sobre comportamento e estratégias de crescimento interior das pessoas, que terão como objetivos a  disseminação dessa nova postura, desse “novo estilo”. 

Evidentemente, nesse movimento da empresa para dentro dela mesma é que surgirá um “Código de Ética” e a estrutura organizacional encarregada de torná-lo vivo no dia a dia, a Comissão de Ética da empresa.

Qual é o custo dessa mudança de estratégia ? Quanto custa implantar os valores Éticos dentro de uma empresa ?  Levando em conta o crescimento do capital humano, a economia com as despesas de segurança e a sintonia da instituição com uma das principais demandas mundiais, essa mudança não custa nada.

O valor dessa decisão, por outro lado, é incalculável. A organização começará a perceber que a motivação Ética cria um novo clima na empresa, uma nova ordem. Algo que se aproxima daquilo que os gregos chamavam de Kosmos. O máximo da competência e da eficácia, gerado a partir da plenitude e da harmonia das pessoas. Algo muito bonito e bom de viver.