Educador:
Identidades e "diferencidades" [1]
Angélica
Sátiro
educadora
y escritora
Este texto nasceu para dar
suporte a uma conferência organizada pelo ICE (Instituto de Ciências da Educação)
da Universidade de Barcelona no Centro de Recursos de Nou Barris dia 23 de
outubro de 2003.
0.
Introdução: identidades, diferenças e diferencidades
1.
Identidade mítica ocidental: Quíron
·
Quíron é sabio, médico e educador: cura e educa
·
Quíron é metade animal, metade humano e com dons divinos
·
Quíron é capaz de curar a Hércules, mas não é capaz de curar-se a si
mesmo
·
Quíron é um intermediário, um guia entre os mundos animal, humano e
divino
2.
¿Com quê o com quem se identifica o(a)
profesor(a) hoje? ¿Em qual espelho se olha?
·
O espelho funcionário
-
funcionário
perfeito
-
funcionário
sem paixão
·
O espelho educador
-
Educador
fechado
-
Educador
aberto
3.
Identidades compartilhadas
-
A
identidade como ponte entre a autoestima, o auto conhecimento e a estima e o
reconhecimento do otro como pessoa
-
A
identidade como processo em permanente transformação
-
A
identidade como inclusão: modelo não exclusivo nem excludente
0.
Introdução: identidades, diferenças e “diferencidades”
IDENTIDADES
Quem
sou eu?
Pergunta que persegue os humanos em cada passo dado ao longo da história.
Quanto já foi realizado em nome dessa pergunta? Quantas civilizações? Quantas
descobertas? Quantas invenções? Quantos retrocessos?
Essa
parece ser a grande pergunta que sustenta a existência de escolas. Educar é a
tarefa de ajudar o outro a ser: ser ele mesmo, ser com o outro.
Filhos
dessa pergunta, os educadores, também “buscadores” desse EU, vivem o
desafio de colocarem-se diante das crianças e adolescentes que insistentemente
lançam seus olhares questionadores: Quem sou eu? Você pode me ajudar a me
dizer quem sou?
E
nessa complexa teia de relações, uns colaboram com os outros na busca de
respostas a essa pergunta tão básica.
Quando alguém pergunta: quem sou eu? – busca aquilo que o identifica
como tal. Isso significa que essa pergunta traz em sua raiz a questão da
identidade. A palavra identidade vem de duas palavras latinas: identitas e
idem que significam “o mesmo”.
Existem
dois conceitos básicos de identidade. Um é mais utilizado a nível lógico
e/ou matemático e significa ser exatamente o mesmo, ter exata
correspondência, exata semelhança. O outro, aproxima-se do conceito de individualidade
e fala de algo que ocorre com os humanos, ao longo do tempo, quando se buscam e
reflexionam sobre si mesmos. Ou seja, a identidade, nesse sentido, é um
processo de construção do humano ao longo de sua vida. Num sentido mais amplo
se pode falar de identidade pessoal, identidade familiar, identidade comunitária,
profissional, social e até mesmo universal. E quando falamos de identidade
nesses termos estamos nos referindo àquilo que identifica uma pessoa ou um
grupo como tal, portanto falamos daquilo que é uniforme, que se repete e que
permanece.
DIFERENÇAS
Diferença
é tudo aquilo que se opõe à uniformidade e à igualdade. O que é diferente não
pode ser igual nem idêntico. A nível lógico a questão da diferença
desempenha um papel importante porque ajuda, por exemplo, a delimitar conceitos
e definições. Ou seja, definir algo é dizer tudo o que é aquele algo, mas
também é afirmar o que ele não é. Ou seja, para conceituar e definir preciso
falar das igualdades e das diferenças.
A
questão das diferenças é sempre polêmica quando se pensa a nível pessoal,
interpessoal e social. Por razões históricas, sociais e políticas, domina um
discurso en prol da igualdade e da identidade. Seguramente estamos a favor da
igualdade de direitos, política, social, econômica. Mas isso não significa
estar a favor da eliminação das diferenças em geral. As diferenças
culturais, de gênero, artísticas, etc se convertem em riqueza quando vistas
dessa perspectiva. Não considerar positivamente as diferenças é homogeneizar
aspectos, que muitas vezes têm seu valor justamente no fato de de ser únicos,
ou seja, diferentes.
DIFERENCIDADES
Como “identidade” e “diferença” são
dois importantes conceitos que nos ajudam a refletir, mas delimitam um campo
“lógico” que não consegue abarcar a complexidade humana criamos um
neologismo com o objetivo de explicitar melhor sobre o que estamos refletindo.
E, ao mesmo tempo ajudar a “desfazer” contradições e abrir limites,
extendo nosso campo de compreensão.
Diferencidades é um neologismo que pretende
significar identidade nas diferenças. O objetivo dessa palavra é
afirmar, paradoxalmente, que somos iguais sendo diferentes e que somos
diferentes sendo iguais. Isso implica em ver a uniformidade que está presente
na questão da identidade, desde a perspectiva do múltiplo e do diverso.
E, é a partir dessa perspectiva que vamos
realizar todas as demais considerações desse texto. Ao abordar míticamente,
ou com base na realidade focalizaremos a questão da identidade desde a
perspectiva da diferencidade.
1.
Identidade mítica ocidental: Quíron
-
Quíron
é sabio, médico e educador: cura e educa
-
Quíron
é metade animal, metade humano e com dons divinos
-
Quíron
é capaz de curar a Hércules, mas não é capaz de curar-se a si mesmo
-
Quíron
é um intermediário, um guia entre os mundos
Mitológicamente
falando, o primeiro educador do qual se tem notícia no ocidente, foi o centauro
Quíron. Sendo também o precursor dos médicos, este ser, metade cavalo, metade
humano, reunia em si os conhecimentos capazes de educar e curar os seres humanos
e divinos. A Quíron eram entregues os filhos dos deuses e dos reis, para que os
mesmos a partir dos ensinamentos do centauro fossem capazes de aprender o que
realmente importava.
Por
ser metade animal, metade humano e com poderes divinos, Quíron não podia viver
nem entre uns, nem entre outros. Uma caverna era sua morada. E era até lá que
iam aqueles que desejavam aprender e/ou se curar.
Hércules,
num de seus doze trabalhos, após lutar mortalmente com o monstro Hidra ficou
gravemente ferido e foi buscar junto ao sábio centauro, a sua cura. Entretanto,
na ponta de sua lança, ainda tinha o veneno da cabeça do monstro que matara
– fato que ele desconhecia. E, por descuido, ao chegar perto de Quíron,
esbarrou a ponta de sua lança numa das patas de seu curador, que ficou
fortemente ferido e envenenado.
Quíron
foi capaz de curar os ferimentos de Hércules, mas não foi capaz de curar a si mesmo. Seguiu curando e educando a todos os que o
procuraram. E como ser divino que é, deve estar carregando através dos tempos
esta ferida, que ele mesmo não é capaz de curar.
Mitos
são ricas fontes de simbolismos e de conhecimento. Vejamos como esse mito pode
nos ajudar a seguir pensando sobre a identidade daquele que educa.
Quíron
é sábio, é médico, é educador. Reúne em si a capacidade da cura e da educação.
Se
consideramos que uma das tarefas da educação – senão a principal – é
tornar os seres humanos melhores do que são, poderemos afirmar que no educar
existe uma profunda dimensão do curar. Conhecer, nos ajuda a curar as feridas
próprias de nossa humanidade. Aprender pode nos ajudar a realizar o que propõe
a máxima grega que aparece no templo de Apolo - Delfos: Conhece-te a ti mesmo!
Quíron metade animal,
metade humano, possui ainda dons divinos
Que
tipo de analogia podemos estabelecer entre essa afirmação e à identidade do
educador?
Com
certeza temos compromisso com a cultura, somos seres culturais e nós, os
educadores temos a tarefa de repassar o acervo cultural produzido pela consciência
humana através dos tempos. Por isso “informamos”, “damos a conhecer” a
tradição, a ciência e as demais formas de conhecimento produzindos ao longo
do tempo.
Mas,
não somos somente cultura e civilização, somos também animais e urge em nós,
a natureza, os institintos, a primitividade. Nossos apetites, desejos e paixões,
espelham muito desse nosso mundo interior selvagem. E a inconsciência é a
“guardiã” desse nosso lado.
Ao
educar, não podemos agir considerando somente o legado que a cultura nos traz,
precisamos tentar compreender esse nosso lado selvagem que sempre “escapa” e
aparece insistentemente entre nossos traços culturais. Precisamos nos
considerar e considerar nossos educandos como seres culturais que também são
animais.
Em
Quíron, há ainda a presença do divino. E em nós, como isso se manifesta?
Não
é opreciso fazer muito esforço para perceber que somos seres necessitados da
transcendência, da metafísica, da religiosidade, da espiritualidade. Enfim, de
tudo aquilo que extrapola a realidade concreta e palpável. O mundo invisível
das crenças.
Portanto,
ao considerar a questão da identidade nossa e de nossos alunos temos que optar
por não negar nem nós, nem neles, estas dimensões tão presentes em nossa
profunda forma de ser: a natureza, a cultura e a transcendência.
Quíron
é capaz de curar Hércules, mas não é capaz de se curar.
Nosso
sábio centauro, detém o conhecimento da cura do outro, mas não da cura de si
mesmo. Esse aspecto do mito também é relevante para pensar na identidade dos
educadores. Quantas coisas sabemos “para” os outros
e não para nós mesmos? Em quantos aspectos conhecemos mais nossos
alunos que a nós mesmos? Essas questões não nos impedem de sermos capazes de
educar os outros, mas nos coloca numa posição de humildade: não sabemos tudo!
Inclusive não sabemos algo fundamental sobre nós mesmos!
Como
não somos seres mitológicos, temos ainda a chance de aprender, com os demais e
com o tempo, aquilo que pode nos curar. Como não estamos no isolamento de uma
caverna, temos a oportunidade de, diante do outro, aprender o que nos falta
saber sobre nós mesmos e sobre todo o demais. E, como não somos imortais temos
o privilégio de não sentir essa ferida por toda a eternidade. Nossa
temporalidade nos permite confrontar com os limites e as possibilidades da vida.
Como diz Gilberto Gil, músico maravilhoso e atual ministro da cultura do
Brasil: Tempo
Rei, ó tempo rei, ó tempo rei / transformai as velhas formas do viver /
ensinai, ó pai o que eu ainda não sei ...
Quíron
é um intermediário, um guia entre os mundos: animal, humano e divino.
Um
educador faz também essa ponte e é um intermediário entre as pessoas e o
conhecimento (entendido em seu sentido mais amplo). O educador é um intermediário
nas relações interpessoais que se dão no espaço da sala de aula; e nas relações
que se dão entre as pessoas que
habitam esse espaço e o meio social mais geral.
O
educador é um guia para o aprendizado da vida e de si mesmo.
2.
¿Com quê ou com quem se identifica o(a)
profesor(a) hoje? ¿Em qual espelho se olha?
O
espelho funcionário
-
funcionário
perfeito
-
funcionário
sem paixão
O
espelho educador
-
Educador
fechado
-
Educador
aberto
É
possível identificar dois instrumentos básicos utilizados na “construção
da identidade”: a reflexão e a projeção. A reflexão implica num processo
consciente de voltar sobre si mesmo para buscar auto - conhecer-se e auto -
estruturar-se. A projeção implica num processo nem sempre consciente de buscar
fora de si mesmo aquilo com o qual reconhecer-se. Quando vistas de maneira
isolada e fixa, poderíamos dizer que a reflexão gera autonomia e a projeção
gera heteronomia.
Procurar-se
fora de si mesmo o tempo todo é síntese da idéia de alienação no outro. Ou
seja, a individualidade desaparece e o sujeito se transforma naquilo que vê
diante de si. Camaleão. Procurar-se dentro de si mesmo o tempo todo é síntese
de egocentrismo. Ou seja, a individualidade ocupa todo o espaço identitário.
Mas,
como estamos tratando o tema da identidade desde a perspectiva da diferencidade,
então teremos que considerar a complexidade humana. Isso é o mesmo que dizer
que no caso da construção de nossa identidade, nunca somos totalmente autônomos,
nem totalmente heterônomos. Portanto, sempre estamos na dinâmica relação
entre a reflexão e a projeção, nos olhamos internamente, e, ao mesmo tempo
olhamos o que está fora de nós e nos projetamos naquilo que olhamos.
Agora
vamos refletir sobre a projeção . Daí as perguntas-título dessa seção:
Com
quê ou com quem se identifica o professor hoje? Em qual espelho se olha?
Espelho
funcionário
Funcionário
é aquele que exerce uma função e, que portanto tem deveres a cumprir.
Identificar-se com uma função significa em alguma medida desumanizar-se,
porque funções são coisas tão operativas que podem ser exercidas também
pelas máquinas. Muitas profissões são meramente funcionais, mas a profissão
de educador parece pedir algo além disso.
Funcionário
perfeito
Esse
tipo de espelho reflete aqueles professores que buscam realizar sua função,
cumprir sua tarefa da maneira mais correta possível. Nada pode falhar, tudo tem
que sair perfeito. Impontualidade: jamais! Não cumprimento das regras vigentes:
nunca! Todos os detalhes técnicos são tratados com precisão. Mas... a dimensão
humana não é contemplada, porque não cabe na função, por mais perfeita que
seja. Assim os alunos são objetos que fazem parte do cumprimento da função e
há que tratá-los como tal.
Funcionário sem paixão
Esse
tipo de espelho reflete aqueles professores que são como zumbis: nada os
comove, nada os motiva, nada os instiga, nada os interessa. A educação é um
peso que tem que carregar, mas não vai mudar nunca, sempre será essa coisa
pouco valorizada e nada reconhecida socialmente. Os alunos sempre são péssimos,
independentemente do que façam, os companheiros de trabalho são medíocres, a
sociedade não tem jeito e não vai mudar. E, obviamente a propia pessoa só
pode ser um “nada” já que se submete cada dia a viver esse “inferno
existencial”. A inércia é o que move e o que interessa é cumprir a função
minimamente e sem muito esforço, já que não vai adiantar nada fazer alguma
coisa.
Espelho
educador
Educador,
como dizia Madalena Freire é aquele que “educa as dores para o prazer”.
Educador é aquele que tem muito presente sua dimensão humana e a dimensão
humana de todos aqueles que compõem o cenário educacional.
Educador fechado
Esse
espelho reflete um educador comprometido que faz o possível para seguir
evoluindo, estuda, investiga, busca, dialoga, escreve, comunica, etc Considera o
outro como pessoa e o respeita como tal. Mas... quando descobre algo importante
toma aquele referente como o único e o melhor e a partir daí tudo o que
aparece, ou não é digno de confiança, ou já é o que faz, portanto não há
que dar importância. Esse tipo de educador se identifica de tal maneira com uma
linha de trabalho que nega todo o demais e não vê valor em outras iniciativas
e possibilidades. Em geral, o professor que se identifica com este espelho
sempre enuncia frases como:
-
isso
eu já faço
-
isso
eu já sei
-
isso
é um absurdo porque vai contra...
No
fundo, nesse espelho reflete imagens segregárias e um tipo de formação
identitária de grêmio, gueto, de clube fechado. Os que se olham nesse espelho
e se reconhecem nele, em geral, são pouco tolerantes com as diferenças e não
encontram nelas a riqueza que podem vir a oferecer.
Educador
aberto
Educador
aberto é aquele que cumpre suas funções mas é capaz ao mesmo tempo de criticá-las
e de criar outras que julga necessárias à sua realização. Educador aberto é
aquele que cuida, que cura, que se reconhece como uma complexidade identitária
e que reconhece o outro como igual, nesse sentido. É aquele que valora as
diferenças e aprende com elas. E, que quando essas diferenças trazem situações
limites e/ou de conflito, é capaz de tolerar e de reconhecer que, talvez em
outro momento essas situações possam trazer consequências mais positivas. É
aquele que se coloca na condição de aprendiz permanente e que aprende quando
ensina. Está aberto de distintas maneiras:
·
reconhece as próprias limitações, mas também suas possibilidades de
romper e transcender essas limitações
·
reconhece que não sabe tudo, porque o conhecimento humano é um processo
da existência e, portanto, segue investigando e aprendendo
·
reconhece que o conhecimento está em distintas partes e se dispõe a
aprender com os demais, incluindo os alunos.
3.
Identidades compartilhadas
-
A
identidade como ponte entre a autoestima, o auto conhecimento e a estima e o
reconhecimento do otro como pessoa
-
A
identidade
como processo em permanente transformação
A
identidade como ponte entre a auto estima, o auto conhecimento e a estima e o
reconhecimento do outro como pessoa
No
processo de construção da identidade, contamos com três tipos de elementos:
·
Perceptivos: construção da auto - imagem
·
Conceituais: construção do auto - conceito
·
Emocionais: construção da auto - estima
Auto - imagem
A construção da auto imagem vai muito ligada
à percepção que temos dos demais e à projeção que fazemos de nós mesmos
no mundo. A auto - imagem é uma representação que cada um faz de si mesmo. E,
essa representação é uma mistura de reflexão e projeção.
Auto - conceito
Auto
- conhecer-se é “Saber sobre si mesmo”, é ter um conceito com o qual
definir-se e identificar-se, diferenciando de todo o demais. É a idéia que
cada um tem de si mesmo, é como cada um pensa que é. Evidentemente está muito
ligado à auto imagem, esta representação que cada um faz de si mesmo.
Auto
- estima
É
como cada um se valoriza ou não. É
o mesmo que amor próprio, o que significa confiar em si mesmo, estar seguro das
próprias capacidades e buscar ser consciente dos próprios limites, discernindo
quais limites deverão ser respeitados e quais deverão ser transformados.
Portanto, conseguir amar a si mesmo não é uma tarefa solitária e sem
conflitos; bem como não é uma tarefa coletiva na qual o outro define a
resposta final. É um esforço da consciência que une os sentimentos, os
pensamentos, a sociabilidade e a espiritualidade.
A
identidade como processo em permanente transformação
Ao
contrário do que muitos pensam, a identidade não é um estágio ao qual se
chega e nunca mais se perde. Ao longo da vida, passamos por distintos momentos
nos quais nos reconhecemos mais ou menos. E isso ocorre em função da trama
entre diversos fatores internos e externos. Depender demasiado da opinião
alheia faz com que a auto estima, o auto conceito e a auto imagem estejam sempre
vinculados à aceitação do outro - o que nos torna muito heterônomos. Não
considerar a opinião alheia faz com que a auto - estima, o auto - conceito e
auto - imagem construam-se em bases irreais e ilusórias, sem parâmetros
humanos mais universais.
O
aprendizado e a construção da identidade
começa quando alguém nasce e é tocado com mãos que o amam ou não. O
amor (ou a falta dele), o reconhecimento e o olhar do outro (pais, educadores,
amigos, etc) é fundamental para o desenvolvimento da própia auto - estima. E
isso está diretamente relacionado com a
imagem que cada um constrói de si mesmo, a partir da imagem que os demais
projetam nos distintos e diversos
espelhos da vida. Mas, esse aprendizado também depende do auto - conceito e da
que sempre está em constante formação e que alterna os processos de reflexão
e de projeção.
Por
isso estamos diante do paradoxo da identidade que é algo que permanece ao mesmo
tempo em que se transforma. Isso significa que muitas vezes manter nossa
identidade significa rompê-la e traí-la, transformando-a. Este paradoxo nos
mostra a extensão de nossa complexidade e nos convida à reflexão.
A
identidade como inclusão: modelo não exclusivo nem excludente
Por
tudo o que já se afirmou anteriormente nesse texto, já sabemos que estamos
falando da identidade a partir das diferenças, daí o termo diferencidades.
Óbviamente, este enfoque é inclusivo, ou seja não fala de algo para poucos
(exclusivo), nem fala de algo que exclui as diferenças (excludente).
Isso
significa que o espelho para nossa reflexão e nossa projeção desde essa
perspectiva é o diálogo. Um espelho no qual cada um se vê pelo olhar e pela
fala do outro e, ao mesmo tempo, oferece para o outro a visão e a fala de si
mesmo. Um espelho feito de silêncios e de falas. Um espelho que às vezes está
opaco e outras vezes está translúcido. Um espelho que às vezes me permite ver
só a mim mesma, e que outras vezes me reflete todos os demais. Um espelho que
às vezes se quebra e nos mostra o todo como se fosse um mosaico de distintas
partes refletidas como se fossem todos.
O
diálogo é o espelho que permite ver a questão da identidade como inclusão. O
educador que se identifica com esse espelho será uma diferencidade e
reconhecerá nos demais esta mesma característica.
Óbviamente
falamos até o momento da identidade da pessoa humana, independente do credo
religioso, da raça ou do gênero. Mas, como a educação tem como maioria as
pessoas que são mulheres, não poderíamos deixar de comentar algo a respeito.
Historicamente
e circunstancialmente a educação vem sendo tarefa prioritariamente feminina.
E, como as mulheres não temos outra maneira de nos experimentar senão a través
de nossa própria condição feminina, esse traço identitário está muitas
vezes marcado no campo educacional e na identidade profissional desse campo. O
registro da experiência educacional na sociedade ocidental é marcadamente
feminino.
Vejamos
duas características dessa “identidade feminina” que possam ser
provocadoras de nossa reflexão. Evidentemente como esta temática merece uma
conferencia e um texto específico, o que aparece aqui serve apenas para
sinalizar, para indicar que outras reflexões necessitam ser feitas.
Tradicionalmente
quando se pensa em feminino se pensa em receptividade, em acolhida.
O receptivo é quele que permite a entrada do outro. O que acolhe é aquele que
abre os braços em abraços e permite que o outro entre. Em muitos sentidos, a
educação é acolhida. Para que o educando se manifeste, o educador tem que
permitir, receber e acolher essa manifestação. Isso implica em outras duas
palavras que também vêm sendo conectadas à questão do feminino: cuidado e
paciência. Educar é algo que pressupõe paciência, já que ensinar não
é igual a aprender e já que a educação é um longo processo. E, como já
afirmamos quando falamos de Quíron, educar é cuidar, já que implica algo de
cura.
Outro
aspecto que normalmente se atribui ao feminino é o serviço desinteressado.
Ou seja, historicamente sempre se pensou na mulher como aquela humana que
realiza distintos trabalhos anonimamente, sem que os demais vejam, reconheçam
ou valorizem. Todos tomam como “natural” o fato de que a mulher cuide da
casa, dos trabalhos domésticos, das crianças, dos ancianos, dos homens
(marido, filho, pai, avô, namorado, amigo, etc). E, em geral esse trabalho só
é reconhecido quando não é
feito. Ninguém reconhece, por exemplo, a
limpeza e a organização da casa, mas todos vêem quando está suja e
desorganizada. Parece ser que o mesmo ocorre com a educação, paga-se mal pelas
horas trabalhadas em comparação com muitas outras atividades profissionais, e
exige-se muitas horas de trabalho não remunerado, já que o trabalho de educar,
pressupõe um trabalho de aprender e de planejar que nunca está considerado nas
horas que são pagas. E, em geral, o trabalho da educação não é reconhecido
quando feito a contento. Mas, sempre se vê quando algo não vai bem.
Essa
receptividade e esse serviço desinteressado são espelhos que refletem a nível
social um determinado tipo de imagem da identidade do educador. E, muitas vezes
essa imagem é utilizada de forma exclusiva e excludente, ou seja, nada
inclusiva. Mas, existem diferentes maneiras de se olhar num espelho, como
diferentes são as possibilidades de se interpretar aquilo que se vê.
Fechamos
essa reflexão mantendo a porta aberta porque outras reflexões virão já que a
construção identitária é um longo processo.
Por
agora ficamos com um trecho de uma das músicas da cantora brasileira Adriana
Calcanhoto:
Eu não sou eu
Nem
sou o outro
Sou
qualquer coisa
De
intermédio
Bibliografia:
SÁTIRO,
Angélica. Liderança
Educacional – Belo
Horizonte: Pitágoras TEC, 1997
SÁTIRO,
Angélica. Identidade:
teatralizando o eu na escola
– revista DOIS PONTOS nº 30. Belo Horizonte: Pitágoras, 1997
SÁTIRO,
Angélica. Identidade e
filosofia para crianças –
revista DOIS PONTOS nº 32. Belo Horizonte: Pitágoras, 1997
SÁTIRO,
Angélica. A leitura das
idades: identidade, feminilidade e fidelidade
– revista DOIS PONTOS nº 34. Belo Horizonte: Pitágoras, 1997
SÁTIRO,
Angélica y WUENSCH, Ana Miriam. Pensando
Melhor – São Paulo:
Saraiva, 1997
SÁTIRO,
Angélica y DE PUIG, Irene. Jugar
a pensar – recursos para aprender a pensar en educación infantil
– Barcelona: Octaedro, 2000
|