MUNDOS REFLEXIONADOS 

Filósofas através da história

Ana Míriam Wuensch

professora da universidade de Brasilía

awuensch@unb.br  

 

A convicção de que tudo o que acontece no mundo deve ser compreensível pode levar-nos a interpretar a história por meio de lugares-comuns. Compreender não significa negar nos fatos o chocante, eliminar deles o inaudito, ou, ao explicar fenômenos,  utilizar-se de analogias e generalidades que diminuam o impacto da realidade e o choque da experiência. Significa, antes de mais nada, examinar e suportar conscientemente o fardo que o nosso século colocou sobre nós – sem negar sua existência, nem vergar humildemente ao seu peso. Compreender significa, em suma, encarar a realidade sem preconceitos e com atenção, e resistir a ela – qualquer que seja. Hannah Arendt Origens do Totalitarismo[1950]. Companhia das Letras, 1998, 3ª reimpressão, p.12.

 

Distinguindo-se da informação correta e do conhecimento científico, a compreensão é um processo complexo, que jamais produz resultados inequívocos.
Trata-se de uma atividade interminável, por meio da qual, em constante mudança e variação, aprendemos a lidar com nossa realidade, reconciliamo-nos com ela, isto é, tentamos nos sentir em casa no mundo.
Hannah Arendt Compreensão e política [1953] A Dignidade da Política. Relume- Dumará, 1993, 2ª edição, p.39.

 

         Nossa identidade não depende exclusivamente da capacidade que mostramos para nos re-apropriarmos do passado, não só nos medimos com os fragmentos do que “já foi”, senão que, graças ao rodeio da narração, expressamos também o que “ainda não é”. Quer dizer, no mesmo gesto nos dizemos a nós mesmas pela mediação de um relato de como ocorreram as coisas e de como gostaríamos que fossem. Desde este ponto de vista, talvez não haja nenhuma contradição em afirmar que as mulheres, em certo sentido, devem entrar no futuro retrocedendo. Fina Birulés Filosofía y género – Identidades femeninas. [1992] Pamiela argitaletxea, p.17

 

         Não vou  negar o processo de exclusão das mulheres ou sua histórica discriminação, mas creio que, juntamente com o necessário trabalho de desconstrução, é possível realizar um trabalho construtivo. Certamente o processo de exclusão determinou não apenas a escassez  de obras filosóficas femininas, em comparação com as masculinas, mas também sua falta de transmissão. Este último aspecto me parece significativo: qualquer um que se dedique com suficiente afinco a escavar o passado filosófico do Ocidente encontrará com surpresa muito mais textos e fragmentos escritos pelas mulheres que pudesse imaginar. Assim, na medida em que não se concedeu autoridade nem sentido às ações e às palavras das mulheres, não se trata unicamente de recuperar o passado, senão, por sua vez, de descobrir novas formas de relacionar-se com ele. O qual indica que, com respeito à história das mulheres, o trabalho construtivo deverá passar por um empenho na transmissibilidade, desde uma decidida aposta pelo indício e pelo fragmento. Fina Birulés idem, p.15  

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         A listagem a seguir destaca a presença e a contribuição feminina ao longo da história do pensamento ocidental.  As informações apresentadas são fruto da pesquisa de Guilio de Martino e Marina Bruzzese, que  publicaram Le filosofe. Le donne protagoniste nella storia del pensiero (Itália: 1994). Utilizamos aqui a  tradução espanhola das edições Cátedra (Las Filósofas, Madri: 1996), que apresenta a obra dentro da Coleção Feminismos. Há outras fontes de pesquisa que eventualmente são indicadas e complementam as informações ou as ilustram (conf. A bibliografia geral do curso). A pesquisa  feminista ou de gênero nas ciências humanas e da natureza alimenta hoje uma revisão de nossa visão de mundo e do próprio conhecimento, assim como consolida uma agenda política que inclui as questões específicas e mais gerais das mulheres. À pergunta “existem mulheres filósofas?” pode-se responder que sim, tanto no passado quanto no presente, embora nossos currículos tradicionais ainda as ignorem. O entendimento do que é a filosofia, que subjaz como critério de apresentação das pensadoras, é bastante amplo para considerar que a reflexão filosófica interessa-se por tudo o que se refere à condição humana e gera pensamento reflexivo, discursivo, narrativo, ficcional ou poético, argumentativo, conceitual e criativo. Na história do pensamento filosófico, o interesse dos protagonistas pode concentraram-se mais em um ou outro campo das atividades humanas e da existência, mostrando o diálogo com a sua época e uma visão de mundo que enriquece a civilização (neste caso, a ocidental) e o próprio gênero literário. As mulheres pensadoras não são uma exceção: são apenas a parte esquecida de um processo histórico que selecionou e alimentou, privilegiadamente, a memória da vida e obra dos homens na filosofia. Se entendermos que o processo civilizatório é fruto do trabalho conjunto de mulheres e homens, está na hora de voltarmos o nosso olhar na direção das contribuições daquelas que foram esquecidas. Talvez esta virada revele dimensões da atividade filosófica passada que permitam a geração de novos sentidos e práticas na atividade filosófica, atual e futura.

 

ANTIGÜIDADE GRECO-HELÊNICA  (séculos VII a.C. – IV d.C.)

Sacerdotisas, poetas, educadoras, sofistas, hetairas, lendas: 
a resistência feminina na emergência da filosofia ocidental.

 

Desde o alvorecer da filosofia, quando a racionalidade começa a desenvolver-se e distinguir-se das formas mítico-poética e descobre as formas demonstrativas e argumentativas - quando as noções de sábio e mágico ainda se confundem e as primeiras distinções entre sofia e filosofia começam a aparecer, podemos encontrar registros de mulheres que se ocupavam desta esfera sagrada do saber, como poetas e educadoras (Safo, Corina), sacerdotisas (Bacantes), personagens míticas (Musas) e heroínas literárias (Circe, Medéia, Penélope, Antígona, Ariadne, entre outras). As primeiras pensadoras de que se tem notícias, mais por referências de doxógrafos e citações em textos literários do que pela conservação de suas próprias obras, indicam não apenas discípulas de escolas filosóficas da antigüidade (como em A vida de Pitágoras, de Jamblico 251-325 a .C., que lista uma série de alunas da escola pitagórica como Timica, Filtite, Ocelo, Ecelo, Teano, Mía, Lastenia, Tirsenide, Babelica, entre outras, sendo que Timica teria fundado sua própria escola), como também mulheres de destaque na vida cultural de Atenas do século V a .C. É o caso de Aglaonice, Aspásia, Melanipa e Arete. Aglaonice de Tesalia teria sido astrônoma e vidente, capaz de prever eclipses. Aspásia de Mileto (440 a .C.) foi figura influente no círculo filosófico e político de Atenas. Amante de Péricles, com quem teve um filho, promovia reuniões literárias em sua casa e participava do debate político da época. Melanipa, segundo informações sobre um texto perdido de Eurípedes (Melanipa, a filósofa) seria uma sophé, uma sábia, que apresentava e discutia a cosmologia de Anaxágoras. Arete, filha de Aristipo de Cirene (435-366 a .C.) criador da escola cirenaica, teria dirigido a escola fundada pelo pai e educado seu filho Aristipo, o Jovem, que organizaria a doutrina de seu avô. Vale a pena conferir também as comédias de Aristófanes, especialmente Lisístrata, ou a Greve do Sexo e Praxágoras (Valentina) ou a Assembléia/Revolução de Mulheres para ter uma noção, pelo avesso, de que as mulheres de Atenas talvez não fossem as Amélias que Chico Buarque denuncia em sua canção Mulheres de Atenas.

 

Safo de Lesbos. (VII-VI a.C.) Poeta e educadora nascida em Mitilene, na ilha de Lesbos, Safo provavelmente era filha de uma família aristocrata. Casada com Cércilas, teve uma filha a quem deu o nome de sua mãe, Cleis. Teria rivalizado com o poeta Alceo e, junto com ele, representa a criação da poesia lírica grega, em contraposição à poesia épica até então dominante, da obra de Homero. De sua obra conservaram-se nove ou dez livros. Safo era responsável por um círculo ou comunidade (thíasos) feminina de caráter religioso, pedagógico e cultural, onde as jovens solteiras preparavam-se para o casamento e animavam, com seus ritos de cantos e danças, as festas públicas das época. Entre si, estas mulheres era companheiras (hetaîrai) e amigas (phílai), isto é, iguais, embora o ciclo de amizades se renovasse por ocasião do casamento de uma delas e da chegada de novas donzelas. À Safo se atribui muitos amantes, homens e mulheres, e sua lírica inaugura uma descrição dos estados de alma que a experiência amorosa favorece. (conf. Safo, de Ana Iriarte. Madri: Ediciones del Orto, 1997)

 

Aspásia de Mileto.(470-410 a.C.) Nascida em Mileto, permanece na cidade até seus vinte e cinco anos quando, graças a uma aliança entre as cidades de Atenas e Mileto em 450/449 a.C., a presença de milésios passa a ser favorecida. Para Atenas, isto representa uma contribuição na grande atividade cultural que ocorre neste período na cidade, da arquitetura à educação. Aspásia se integra ao círculo da elite ao qual pertence Péricles e com ele tem um filho que recebe o nome do pai. As versões sobre a atividade de Aspásia são muito contraditórias, e não se sabe ao certo se teve uma escola de retórica, um bordel, ou ambas as coisas. É consensual que foi uma hetaîrai, isto é, companheira de Péricles, com quem não era casada. Mas ao sentido de liberdade sexual e não submissão ao casamento que essa palavra carrega, junta-se outro, mais moralista, de prostituição, embora a pornai (prostituta em sentido estrito) distingam-se da hetaîrai justamente pelo nível econômico e pelo círculo social que freqüentavam. Como tantos sofistas da época, Aspásia também nada escreveu, e os relatos de sua habilidade como argumentadora e educadora, bem como de sua influência política sobre Péricles encontram-se nas obras de outros, como Platão ou doxógrafos posteriores. (conf. Aspásia, de Amalia González Suárez. Madri: Ediciones del Orto, 1997 e Simone de Beauvoir, O Segundo Sexo, vol. 2 A Experiência Vivida, Segunda Parte, Capítulo IV, Prostitutas e Hetairas.)

 

Diotima de Mantinéia. Personagem fictícia criada por Platão (427-347 a.C.), é apresentada como sábia no diálogo O Banquete. Para alguns autores, esta personagem poderia ter sido inspirada em figuras reais, como Aspásia, ou outras, já que aparece como uma sábia (sophé) estrangeira.

 

Hipárquia. Aristocrata, é elogiada por Diógenes Laertios (Vida e Obra de Filósofos Ilustres) pela cultura e raciocínio, comparando-a com Platão. Seguia os costumes e idéias dos cínicos (Diógenes, o cínico) e escreveu Cartas e Tragédias.

 

Asiotea de Filos. Ensinava física na Academia de Platão, quando esta já era dirigida por seu neto, Espeusipo (393-270 aC), ao lado de outras mulheres que freqüentavam a escola.

 

Maria, a judia, ou Míriam. Viveu em Alexandria no séc. I d.C., seguidora do culto de Isis e considerada pelos historiadores da química como a fundadora da alquimia. Entre os seus escritos, está o livro de Magia Prática.

 

Hipácia de Alexandria. Falecida provavelmente em 415 d.C., foi filha do matemático e astrônomo Teón de Alexandria, e deixou alguns títulos de suas obras como Comentário a Aritmética de Diofanto, Sobre as cônicas de Apolonio e Corpus Astronômico. Estudou as obras de Platão e Aristóteles e tentou aplicar o raciocínio matemático ao conceito neoplatônico de Uno. Pagã e partidária da distinção entre filosofia e ciência, tinha prestígio político e acadêmico em Alexandria. Perseguida pelos cristãos, que a acusavam de perseguição, foi agredida e assassinada na rua por um grupo de fanáticos liderados por um religioso chamado Pedro.  Hipácia representava a antiga  tradição egípcia e grega de sabedoria feminina que competia com as autoridades religiosas da época que começavam a impor uma nova cultura: as mulheres não tinham mais direito de falar em assembléias e nos cultos e cada vez menos podiam ensinar nas escolas. (conf. Hypatias’s Daughters, de Linda Lopez MacAlister )

 

 

MEDIEVALIDADE (séculos V – XIV d.C.)

Visionárias, místicas, monjas, doutoras: A resistência das mulheres nos primeiros mil anos da era cristã.

 

Do período compreendido como a Patrística na igreja católica até o século XII, as mulheres ocidentais ficaram privadas do direito à instrução e à participação pública e por causa disso, com raras exceções, não temos notícias de escritoras ou cientistas. A poetisa Casia (sec.IX) foi exilada pelo imperador bizantino Teófilo e se refugiou num monastério onde continuou a escrever versos, agora contra os homens néscios e ignorantes. Ana Comneno (séc. XI) filha do imperador bizantino Alejo I foi historiadora e, com seu marido, terminou a obra sobre a dinastia dos Comnenos, intitulada Alexiada. A partir do século XII, ocorre uma virada na cultura e na sociedade medieval do ocidente, com inovações teológicas e artísticas, e acontece o despertar das filósofas.

 

Hildegarda de Bingen (1098-1179) De família nobre e numerosa, viveu desde jovem em um monastério beneditino, onde aprendeu a ler muito cedo. Em 1147, já era conhecida como terapeuta e visionária. O pontífice Eugênio II aprovou os escritos de Hildegarda e lhe deu permissão para continuar escrevendo, e assim, ela se correspondia com soberanos e padres que lhe pediam interpretações de passagens bíblicas e conselhos particulares. Vale destacar a proteção especial que recebeu de Bernardo de Claravel, seu admirador. Ao lado de uma vasta obra de ciência natural sobre biologia, botânica, astronomia e medicina, onde figuram, por exemplo, Causae et Curae, Lingua ignota, um dicionário de novecentos verbetes sobre ervas e plantas, e Subtilitatis diversarum naturarum libri novem, um estudo sobre ervas medicinais, pedras precisosas, animais, planetas, doenças e curas, há também um programa musical de hinos e cantos litúrgicos compostos por ela. Reconhecida como autoridade em sua época, fundou um mosteiro em Eibingen em 1165. Seus escritos místicos e teológico filosóficos, de inspiração neoplatônica, utilizam o pensamento alegórico, predominante na cultura do século XII, que explorava o poder lingüístico da metáfora, sofrem uma virada final: em Liber divinorum operum, sua visão cósmica aproxima-se cada vez mais da busca pelas relações numéricas que determinam o equilíbrio do universo.

 

Eloisa de Paráclito (1101-64) Francesa, chegou a ser abadessa do convento de Paráclito, uma comunidade monástica fundada pelo famoso filósofo Pedro Abelardo. Abelardo foi seu professor e amante, de quem teve um filho e com quem se casou em segredo. O tio de Eloísa, Fulberto, que pertencia à alta hierarquia católica ficou furioso com a gravidez da sobrinha, e ordenou a castração de Abelardo enquanto este dormia. Abelardo se refugia então no campo e, até o fim de seus dias amargou a perseguição e a hostilidade dos poderosos da igreja na França, entre eles, Bernardo de Claravel. A longa correspondência entre os dois amantes documenta a paixão e o debate que nutriram ao longo da vida (Correspondência ou Epístolas). Além disso, ela escreveu outro texto chamado Problemata. O debate ético, a argumentação, a doutrina cristã, e a ontologia estão presentes em sua obra e são indicativos do modo como concebia a filosofia, como uma experiência apaixonada do pensamento, movida pela experiência real do amor romântico. OBS.: Há um filme sobre sua biografia, intitulado em português Em Nome de Deus, do diretor Clive Donner, 1988, Paris Filme.

 

Catalina de Siena (1347-1380) Iniciou sua experiência ascética como Angela de Foligno (1248-1304), retirando-se em sua própria casa. Aos dez anos, ingressou na Ordem Terceira de São Domingo das mulheres que, permanecendo em casa, seguiam um modo de vida rigorosamente religioso e caritativo. Após uma experiência visionária, em que lhe aparecia Jesus arrancando seu coração e substituindo pelo dele, saiu pelo mundo como eremita, denunciando o papa, os reis e os cardeais. Sua crítica principal era o excessivo compromisso da igreja com as coisas temporais e convocava os cristãos para uma militância em favor da paz e o repúdio à guerra pelo amor à Cristo, como escreveu em Diálogo da Doutrina Divina (1378). Seu espírito reformador era estranho a qualquer impulso nostálgico ou apocalíptico, e lutou contra os vícios da igreja respeitando sua hierarquia somente num sentido histórico. Afastando-se da tradição mística, concebia o amor divino não como uma experiência nupcial, mas antes como um “sentimento materno-filial”. Continuou laica e liderou uma comunidade heterodoxa de homens e mulheres, sendo considerada a última reformadora religiosa do período medieval. Depois dela, a igreja católica ocidental não é mais considerada a Civitas Dei, aquela instituição milenar total que a Europa havia conhecido depois da queda do império romano.

 

Cristina(e) de Pizán (1365-1431) Considerada atualmente a primeira autora “profissional” da qual se tem notícia. Filha do médico e astrólogo da corte do rei Carlos V da França, casou-se com o secretário e escrevente do rei, Étienne Castel. Aos vinte e cinco anos, ficou órfã do pai e viúva, com três filhos e sua mãe para cuidar. Sozinha, enfrentando a adversidade e a hostilidade social, desenvolveu suas qualidades de iniciativa e coragem e se pôs a estudar e escrever. Seu trabalho foi bem sucedido e pode viver de sua pena, dedicando sua produção aos príncipes amantes da literatura, ou melhor, às suas esposas, fazendo livros de encomenda. Cristina de Pizan participa na querelle du Roman de la Rose, sustentada nos círculos humanistas da época e que havia chegado à corte e à universidade, e a converte na primeira manifestação da querelle des femmes, debate que seguirá séculos depois, até a Revolução Francesa. Joan Kelly, em seu artigo “Early Feminist Theory and the Querelle des femmes, 1400-1789”, analisa com detalhe as características da querelle, especialmente pelo que contém de feminismo germinal no desenvolvimento de uma teoria no sentido original do termo, como visão conceitual, e pelo que pressupõe de paciente resistência intelectual. Segundo esta autora, os três elementos básicos deste proto-feminsmo são a) a oposição dialética à misoginia; b) o embasamento desta oposição na idéia de “gênero”, tal como a entendemos hoje em dia e; c) a possibilidade de universalizar a questão e transcender o sistema de valores de seu tempo, apresentando uma autêntica concepção geral da humanidade. As mulheres que participaram na querelle foram as que Virgínia Woolf chamou “as filhas dos homens cultos”, filhas, irmãs ou sobrinhas de humanistas que foram educadas por estes e se rebelaram contra aqueles que as preparam para uma sociedade que proibia a entrada de mulheres. Elas descobriram que o ideal universal de humanitas não era este, pois não incluía mulheres. Esta situação contraditória despertou nelas uma consciência duplamente moderna e feminista. Cristina de Pizan intervém no debate sobre a querelle não por questões literárias, morais ou filosóficas, mas pelo conjunto de argumentos condenatórios e insultantes para as mulheres que a obra Roman de la Rose contém. Reage contra a literatura misógina que vinha sendo repetida desde a antigüidade e que alcança uma expressão generalizada na Idade Média. Não apenas denuncia este desprezo em relação às mulheres como também, o que é mais importante, a situação de desamparo destas perante este empreendimento por não terem acesso à cultura. No ano de 1405, já em sua maturidade, escreve o seu livro mais conhecido e reconhecido, A Cidade das Mulheres. Nele, questiona a autoridade masculina dos grandes pensadores e poetas que contribuíram para formar a tradição misógina e decide fazer frente às acusações e insultos contra às mulheres, que eram tratadas como desobedientes, invejosas, mesquinhas, embusteiras, faladoras, orgulhosas, luxuriosas, perigosas, etc. Propõe, com firmeza e segurança, uma utopia, um espaço próprio para as mulheres e reinvindica uma genealogia de mulheres de capacidades e qualidades excelentes ao longo da história. O livro adota uma forma alegórica e dialógica, com a presença de três personagens femininos, A Razão, a Retidão e a Justiça, que aparecem à Cristina e lhe propõe a construção de uma cidade para as mulheres. Os materiais e as defesas desta cidade imaginária são as próprias mulheres excelentes. Como diz Maureen Quilligan, trata-se de uma verdadeira alegoria da autoridade feminina, que permite a Cristina de Pizán revisar a história e ir incorporando todas as figuras femininas, desde as amazonas e outras personagens mitológicas até princesas e grandes damas da França, suas contemporâneas, passando pelas Sibilas, as mulheres ilustres e fortes da antigüidade, as mártires, etc. (conf. Mujeres en la historia del pensamiento, de Rosa Mª Rodrigues Magda, p.79-81)  

 

MODERNIDADE (séculos XV –XVIII)

A resistência feminina no Renascimento e na época das luzes (Ilustração/Iluminismo): revolucionárias, escritoras, educadoras, animadoras de salões.  

Ao longo da Idade Média, as possibilidades de estudo para as mulheres era restrita à sua entrada em alguma ordem religiosa ou em algum mosteiro onde poderia aprender a ler, estudar as escrituras e receber alguma noção elementar de direito civil e canônico; algumas chegavam a ocupar cargos de bibliotecária, escrevente (copista) ou professora. Até o renascimento, dominava a idéia de desigualdade das capacidades intelectuais e profissionais entre os sexos, o que se refletia nas concepções pedagógicas da época. Vozes isoladas e com motivações diversas propagavam a necessidade da educação das mulheres: Erasmo de Rotterdam dizia que a educação de ambos era necessária para o bom convívio do casal numa sociedade em que homens e mulheres estão destinados a viver juntos; Martin Luther, para que as jovens pudessem ler a Bíblia por si mesmas. Até o século VII o debate sobre a educação foi animado por intelectuais, literatos e pedagogos que propunham um modelo diversificado de educação, conforme o sexo, visando justificar destinos sociais diferentes para homens e mulheres. O pedagogo Amos Comenius (1592-1670) foi uma exceção ao propor uma teoria da instrução universal, para todas as idades, todas as classes sociais, sem distinção de sexo. O humanismo, que na Itália iniciou-se com Petrarca e Boccaccio, ofereceu uma obra mitológico-literária que resgata as figuras femininas notáveis da antigüidade, distinguindo o papel da mulher no campo cultural (De mulieribus claris –1361). O Renascimento, nos séculos XV e XVI, coincidem com a abertura gradual dos níveis mais elevados de instrução para as mulheres e com o fim da proibição do acesso feminino aos campos da arte e da literatura, pelo menos para uma elite aristocrática ou burguesa. Por outro lado, toda esta efervescência científica e cultural não é capaz de impedir que os tribunais da Inquisição espalhem o terror e a morte, principalmente entre as mulheres mais pobres e velhas, viúvas ou solteiras, durante três séculos.

 

Teresa de Jesus (de Ávila) (1515-1582) Depois de Hildegarda de Bingen, Clara de Montefalco e de Catalina de Siena, volta, na época da Reforma católica, a grande tradição da mística feminina. A personalidade majestosa de Teresa de Jesus é a que representa a exigência de uma experiência rigorosa e radical naqueles tempos de renovação. Nascida em uma família da pequena nobreza  espanhola, pretendeu, na adolescência, tornar-se monja, o que foi proibido por seu pai até 1537, quando fez os votos no Carmelo de Ávila. A partir de 1544, durante a quaresma, começou a ter visões do inferno, o que a motivaram a fundar uma ordem, rigorosa e proselitista, para a salvação das almas. A partir de 1562, começa a fundar monastérios das carmelita descalças na Espanha, uma variante feminina da ordem à qual pertencia. Suas obras doutrinais mais importantes são: Caminho da Perfeição, a autobiografia Livro de sua Vida, Castelo Interior ou As Moradas. Em 1970, foi proclamada “doutora da igreja” pelo papa Paulo VI.

 

Louise Labé (1524-1566) Francesa erudita, literata e música, foi discípula do poeta neoplatônico Maurice Scevé. Casada e sem filhos, dizia-se que era mulher de costumes liberais, o que, aliás, costumava-se dizer das mulheres literatas e não religiosas da época. Escreveu Sonetos e Debate entre Loucura e Amor. Na dedicatória desse livro, Labé escreve uma espécie de manifesto das reivindicações femininas: o direito das mulheres à ciência e outros conhecimentos, e a possibilidade de empregar sua nova liberdade na aprendizagem.

 

Mary Astell (1666-1731) Figura importante na cultura protestante inglesa do século VII, Mary Astell, uma fervorosa anglicana, foi uma pensadora que unificou suas convicções filosóficas e religiosas em uma visão feminista. Conservadora em política, ortodoxa e severa em religião, inovou, contudo, o campo moral e pedagógico de sua época. Nasceu em uma família simples, em um período histórico em que 80% das mulheres eram quase analfabetas, e conseguiu estudar graças ao seu tio, que foi seu preceptor. Através dele, estudou os filósofos de Cambridge, que serviram de filtro entre a cultura e a religião anglicana e a filosofia racionalista. Conheceu as obras de Descartes e Hobbes. Com esta formação, Mary Astell convenceu-se profundamente da necessidade e da legitimidade de uma evolução espiritual e cultural das mulheres, e decidiu empenhar-se em romper o círculo vicioso da ignorância e inferioridade intelectual que aprisionava as mulheres de sua época. Suas idéias tinham um fundamento tanto religioso como filosófico, pois sustentava que o uso pleno das faculdades intelectuais, tanto dos homens quanto das mulheres, era o melhor meio de servir a Deus e que a função da razão era precisamente guiar as pessoas para a compreensão das idéias religiosas. Em 1694, publicou a primeira de suas obras de caráter feminista: A Serious Proposal to the Ladies for the Advancement of their true and greater Interests. By a lover of her Sex. A partir desta publicação, começa uma intensa correspondência com o filósofo neoplatônico e anticartesiano John Norris (1657-1711), que foi editada, de comum acordo, depois. Fortalecida e esclarecida de suas convicções após este diálogo, publica outros textos e dedica-se a um projeto, nunca realizado, de criação de uma espécie de mosteiro protestante feminino, que seria uma escola e uma comunidade onde as mulheres pudessem, livremente, dedicar-se ao seu aperfeiçoamento racional e espiritual, em um clima afetivo fraterno, como um modo de vida alternativo às instituições sociais e religiosas então existente.

 

Mary Wollstonecraft  (1739-1797) Autodidata inglesa, aprendeu a ler e escrever tardiamente, aos quatorze anos. Apesar de ser filha de uma família de posses, que não investiu em sua instrução, Mary optou por sair de casa e viver comunitariamente com sua irmã, Elisa e uma grande amiga, Fanny Blood. Faziam artesanato para sobreviver e tentaram, sem sucesso, abrir uma escola. Ao longo de sua vida, conheceu vários intelectuais não conformistas, que contribuíram para alargar sua cultura. Leu Schakespeare, Milton, Pope, Locke, Rousseau. Publicou seu primeiro livro em 1987, Pensamentos sobre a educação das filhas, onde se percebia a influência de Locke e Rousseau, bem como suas próprias e mais radicais idéias. Em 1790, durante os acontecimentos revolucionários, escreve a  Reivindicação dos Direitos dos Homens e, em 1972, sua obra mais importante, um tratado político-filosófico intitulado Reivindicação dos Direitos da Mulher. Para ela, as mulheres deveriam envolver-se plenamente no projeto ilustrado e reformador: educação, direitos políticos, responsabilidade pessoal,  igualdade econômica, racionalidade e virtude inseparáveis, liberdade e felicidade. Em 1796, começou uma relação com o filósofo radical William Godwin, do qual engravidou e com quem se casou, apesar de negar o valor positivo do matrimônio. Em 1797, deu a luz à Mary Godwin, que depois se tornaria Mary Shelley (1792-1822), famosa escritora do romance Frankenstein (1818). Morreu quinze dias após o parto, de septicemia.

 

Olimpia de Gouges (1748-1793) Nascida em Montauban como Maria Gouze, era filha bastarda de um homem muito influente em seu local de nascimento e de Anne- Olimpe Muisset, então casada com um açougueiro da vila. Alguns de seu biógrafos afirmam que não sabia ler nem escrever, situação comum na época para muitas mulheres, especialmente as mais pobres, mas não deixa de ser surpreendente para uma mulher que irá escrever mais de quatro mil páginas de escritos revolucionários ao longo de sua vida, entre peças de teatro, panfletos, libelos, novelas autobiográficas, textos satíricos, utópicos, filosóficos...A idéia de que há um homem escrevendo para uma mulher que apresenta seus escritos era uma crença retomada no século XVIII, entre outros, por Rousseau, como um advogado da desigualdade entre os sexos: “Sabemos desde sempre quem é o artista ou o amigo que sustenta pluma ou o pincel quando elas trabalham. Conhecemos o discreto escritor que lhes dita secretamente seus oráculos”. Olimpia de Gouges falava o occitano, como língua materna e o francês como segunda língua, desde que se mudou para Paris, em 1768, dois anos depois da morte de seu marido, Pierre Aubry. Deste casamento, tem um filho e, mais tarde, terá outra filha, Julie. Em 1780 , acontece uma transformação em sua vida: passa a interessar-se apaixonadamente pela literatura e sonha em converter-se na Safo de seu século. Sua metamorfose em escritora não foi de modo algum simples. Além da oposição de muitos escritores e de seu próprio pai, a quem idolatrava, pesava contra ela o preconceito já mencionado da época sobre a atividade criativa das mulheres. Por causa de sua nova atividade, ela vai enfrentar a marginalidade: filha natural não reconhecida, com pouca instrução, provinciana, inteligente, com reputação de mulher galante, indomável e especialista em provocar o sexo masculino, Olimpia tinha tudo a seu favor para escandalizar a opinião pública de seu tempo.  Mesmo tendo uma auto-estima elevada, muitas vezes se vê obrigada a matizar seus talentos com o reconhecimento de suas faltas de ortografia, sintaxe, conhecimento, como no prefácio de sua peça teatral O homem generoso. Mas um terceiro obstáculo será mais fatal que os anteriores na carreira literária de Olimpia: se apaixonará por temas pouco recomendáveis e altamente comprometidos: será presa por levantar dúvidas sobre a escravidão dos negros, passará a tomar posições em favor dos direitos da mulher (divórcio, maternidade, educação, liberdade religiosa) e emprestará sua voz e sua pena em defesa de todos os oprimidos e humilhados com tal dedicação que receberá condenação à guilhotina, em 1793. Entre seus escritos, destacam-se: Memórias de Mme. de Valmont, Carta ao povo, Os direitos da mulher e cidadã. (conf. Olimpia de Gouges, de Olivia Blanco Corujo)

 

Destaque: Os salões franceses dos séculos XVII e  XVIII.

O século XVIII é considerado o século de maior influência feminina no plano cultural. As idéias da ilustração se difundiram rapidamente em alguns dos salões da época. Suas idealizadoras acolhiam os filósofos, tornando-se suas amigas ou companheiras, recebendo e discutindo suas idéias e contribuindo, em alguns casos, na criação de suas obras. O papel dominante da literatura e do estudo do espírito humano nos salões do século anterior foi sendo substituído, gradualmente, pelo interesse pelas discussões filosóficas e científicas, pela curiosidade pelo destino humano, pelos mistérios da natureza e pelas descobertas científicas. Ainda que houvessem clubes e cafés, lugares públicos que também proporcionavam debates e circulação de idéias, os salões femininos, espaços que conquistaram projeção social e intelectual, continuavam desempenhando a função de promover o livre debate de idéias e obras e seguiram sendo, para as mulheres, os únicos lugares onde poderiam conseguir uma educação superior. As mulheres sábias que promoviam estes salões nunca recebiam acriticamente as idéias ilustradas, mas as consideravam à luz de suas próprias exigências e sensibilidade. Diderot era animador do salão de Mme. de Epinay; Voltaire foi o centro do salão de Mme. de Châtelet e depois do salão de Mme. du Deffand. Mme. de Tecin  foi uma biógrafa próxima a Montesquieu. Enquanto as Mmes. de Epinay e du Deffand polemizaram com Rousseau, Mme. de Choiseul opunha-se à idolatria por Voltaire ou Rousseau. No salão de Mme. de Lespinasse, um modesto apartamento que servia de refúgio para os enciclopedistas D’Alambert, Diderot e Turgot de Morellet, não havia muita comida ou entretenimento, ao contrário de outros salões mais abastados. Mas a influência desta senhora era grande: através de seu amigo D’Alambert, influenciava a nomeação dos membros da Academia Francesa.

 

CONTEMPORANIDADE  (séculos XIX e XX )

A resistência feminina na época contemporânea: revolucionárias, espiritualistas, feministas, acadêmicas. Filósofas, enfim?

 

         O feminismo foi a primeira forma de identidade pública que as mulheres – antes uma minoria e depois, grupos cada vez mais extenso - se outorgaram. O ingresso de mulheres, como sujeito sexualmente diferenciado, na cena política, se produziu sobre a base filosófico–jurídica da “Declaração dos direitos do homem e do cidadão” dos revolucionários franceses. O movimento feminista conviveu, desde o início do século XIX, com o movimento socialista. O socialismo, por sua vez, surgiu da reelaboração dos ideais revolucionários e ilustrados e foi condutor de um projeto de democracia política e de igualdade econômica e social. Mas não houve identificação nem assimilação do feminismo histórico com o projeto socialista. Pelo contrário, as diferenças entre as feministas “burguesas” ou liberais e as feministas socialistas se acentuaram. O horizonte ético político do feminismo do século XIX foi a igualdade entre os sexos e a emancipação jurídica e econômica da mulher, mesmo que a versão burguesa acentuasse mais a igualdade política e civil e a versão socialista acentuasse mais a igualdade social e econômica. Também se formou uma corrente dualista que demarcou a diferença na igualdade e privilegiou formas de luta e organização específicas e autônomas para as mulheres. De todo o modo, ao longo do século XIX, as feministas desenvolveram uma agenda ampla e específica, ao mesmo tempo: a luta pela liberdade de pensamento e associação, a abolição da escravidão e da prostituição das mulheres, e pela paz. O signo político do feminismo mudou na segunda metade do século XIX. Os processos de industrialização e urbanização que se desenvolveram na Europa e na América envolveram as mulheres de classes operárias e pequeno-burguesas nos movimentos socialista e feminista, que começaram a delinear uma estratégia política específica para enfrentar a “questão da mulher”. Inúmeras ativistas e escritoras foram fundamentais no desenho do movimento feminismo que caracteriza este período. Nos Estados Unidos, Lucretia Mott (1793-1880) esteve envolvida com a abolição da escravidão, o direito ao voto e a paz no mundo através da Society of Friends; na Inglaterra, se formou a Society for Woman’s Sufrage, e a Ladies National Associations, defensora da regulamentação da prostituição e a International Abolitionst Federation, promovidas por Josephine Butler; também a inglesa Mary Ann Evans, que publicava sob o pseudônimo de George Eliot, escrevia novelas de fundo filosófico e pedagógico para a compreensão da condição da mulher; na França, a anarquista Louise Michel, junto com outras mulheres, participava da Comuna de Paris (1871) enquanto Mme. Edmond Adam (1836-1877),que publicava com o pseudônimo de Julliet Lambert e Mme. Jenny  d’ Héricourt envolviam-se com uma dura polêmica contra as idéias anti-feministas de Proudhon.

 

Rosa Luxemburgo (1871-1919) A protagonista mais importante do marxismo nasceu na Polônia, em uma família judia. Adolescente, começou a perceber-se de sua condição judaica e começou a freqüentar os ambientes do partido social - democrata polonês que era perseguido pela política. Migrou em 1889 para a Suíça, que funcionava então como uma espécie de zona franca para socialistas de toda a Europa, e se inscreveu na Faculdade de Filosofia. Ali conheceu Leo Jogiches, que seria seu companheiro até 1906 e com quem publicava, em Paris, o jornal A Causa Operária. Ao longo de seus estudos universitários, participou, sempre à esquerda, das atividades políticas do SPD, o partido social - democrata polonês e de encontros políticos internacionais, como o III Congresso da Internacional Socialista. Em 1897, licenciou-se em Ciência Políticas com a tese O Desenvolvimento Industrial na Polônia. Antimilitarista, foi presa diversas vezes. Também na prisão escreveu seus textos e participou da Liga Espartacus, que participou, junto com os operários e militares insurretos da chamada República de Weimar, na Alemanha, instalada em 1918, de caráter democrático-parlamentar. Entre seus diversos textos, conta-se com Acumulação do Capital. Contribuição para a explicação econômica do imperialismo (1912); Militarismo, guerra e classe operária (1914); A Revolução Russa (1917); entre diversos artigos para o jornal e revistas como a  Spartakus. Em 1919 é assassinada pela polícia em uma prisão alemã. OBS.: Há um filme sobre a sua história, intitulado Rosa Luxemburgo, da diretora Margarethe von Trotta, 1986, Globo Vídeo. Também Hannah Arendt dedicou-lhe uma biografia (1966), que faz parte do livro Homens em Tempos Sombrios, coletânea publicada no Brasil em 1987 e reimpressa em 1998 pela Companhia das Letras.

 

Lou Andreas-Salomé (1861-1937) Louise von Salomé teve um papel intelectual de primeira ordem na cultura européia na virada do século. Associada aos nomes famosos do filósofo Nietzsche, do poeta Rainer Maria Rilke e do pai da psicanálise Sigmund Freud, ela encarna uma síntese de individualidade e espírito de época raro. Nasceu na Rússia, em São Petesburgo, numa família que se orgulhava de suas origens alemãs e professava a religião luterana. Teve uma educação esmerada, dedicando-se aos estudos literários e filosóficos com o pastor holandês Hendrick Gillot, um homem de cultura e viajado. Dotada de uma grande inteligência e uma aparência agradável, freqüentava o estúdio de seu professor, que a definia como livre pensadora, para ler Descartes, Rousseau, Pascal, Kant, Rousseau, Voltaire e textos de história das religiões. Por conselho de seu preceptor, matricula-se numa universidade italiana e passa freqüentar o salão de Malwida von Meysergurg (1816-1903), uma intelectual liberal que também a hospeda. Ali conhece o filósofo Paul Ree. Judeu ateu e nihilista com quem estabelece uma relação intelectual que lhes levou a viver juntos como “irmão e irmã”, segundo suas palavras. O debate entre ambos acerca da questão de Deus, que Lou entendia como uma falta e busca e não como uma recusa da questão, teve mais um participante: Friedrich Nietzsche, que também perambulava pela Itália na época. A relação a três durou o tempo de Nietzsche enamorar-se dela e pedir-lhe em casamento, o que ela recusou e significou a ruptura com ele, indo embora para Berlin com Paul Ree. Na Alemanha, conhece em 1987 o então jovem e desconhecido poeta Rainer Maria Rilke, com quem mantém um intenso romance e uma correspondência até 1926. Em uma viagem à Rússia, em 1889, com Rilke, encontra o escritor León Tolstói, com quem debate acerca da possibilidade de conciliar progresso técnico e científico com o espírito religioso russo.  Em 1919, por sugestão do filósofo judeu Martin Buber, escreveu seu primeiro ensaio de argumento psicológico, O Erotismo, rompendo com o terreno da arte e da literatura onde até então transitava. Este ensaio lhe abriu caminho até Freud, coroando uma intensa busca existencial e intelectual. A partir daí passou a freqüentar os territórios de debate psicanalíticos e encontrou nesta teoria o argumento que necessitava para articular seus maiores interesses: a arte, a religião e a experiência amorosa, como se pode verificar em seus textos: Reflexões sobre o problema do amor (1900); Religião e Cultura (1898) e mesmo o ensaio de 1986, Jesus, o judeu. A partir de 1923, começa a ser analista didática e publica, em 1931, Meu Agradecimento a Freud, entre outros tantos textos não indicados aqui. OBS.: Em português está disponível o livro Minha Vida, pela Brasiliense, 1985.

 

Edith Stein (1891-1942) O pensamento desta autora traz de novo à discussão, em pleno século XX, a tradição mística cristã de Santa Teresa e de São João da Cruz, no contexto da Alemanha nazista, da queda da República de Weimar, e na iminência da Segunda Guerra Mundial. Última filha de uma numerosa família judia de Breslau, após seus estudos de colégio buscou ingressar na universidade de sua cidade para estudar psicologia mas, fascinada pelos estudos de Edmund Husserl, decide transferir-se para a universidade de Gottinger, onde ele lecionava. Ali também estuda com Max Scheler. Em 1915 presta serviço na Cruz Vermelha e em 1916 se licencia, com distinção, com uma tese sobre O problema da empatia [Einfühlung]. Segue estudando o pensamento de São Tomás e outros autores cristãos, que a afastam das idéias de Husserl, com quem trabalhava então, a convite dele. Em 1918 decide retirar-se da universidade, e aproximar-se mais do catolicismo, ao qual acaba se convertendo em 1922, de pois de ler a Vida de Teresa de Jesus.. Parece que a decisão de Edith leva Husserl e outros professores veteranos a serem reticentes quanto à habilitação para mulheres lecionarem na universidade. Ela protesta contra esta discriminação encoberta e faz um pedido de esclarecimento, ao qual o ministério responde em favor da universidade. Convertida ao catolicismo, começa a lecionar no liceu das dominicanas e, em 1925 dedica-se a uma intensa atividade científica e pedagógica, traduzindo obras de Tomás de Aquino e Newman e publicando Sobre o Estado (1925) e A fenomenologia de Husserl e a filosofia de Tomás de Aquino (1929). Interessou-se pela questão feminina no campo filosófico e religioso, publicando Ethos das profissões das mulheres (1932). Stein sustentava que o movimento feminista alemão havia conseguido todos seus objetivos na Constituição da república de Weimar. A nova realidade social das mulheres requeria agora a defesa dos resultados conquistados e a transmissão às novas gerações da memória histórica das lutas feministas, uma vez que a renovação deveria implicar, antes de tudo, as mulheres cristãs. Stein afirmava em vários textos que o Antigo Testamento e o Direito Romano haviam perpetuado na igreja uma visão errada da mulher que era insustentável . Para Stein, a mulher tem uma realidade ontológica igual e distinta do homem; uma realidade ontológica que deve explorar e conhecer por si mesma enquanto que a mulher vista pela mulher não é a mesma mulher vista pelo homem. Parece que Stein pretende propor a consciência fenomenológica como uma consciência cristã e feminina, como base de um novo modo de fazer pedagogia, filosofia, ação civil e ação religiosa. Seus últimos estudos reúnem todos os temas propostos em seu pensamento, no material inédito intitulado Scientia Crucis, dedicado a São João da Cruz. A partir de 1938, Edith começa a ser perseguida pelas autoridades por causa de suas origens judias e, em 1942, ela e sua irmã são enviadas para o campo de concentração de Auschwitz, onde morre, no mesmo ano, numa câmara de gás. Foi beatificada em 1987. OBS.: No Brasil, pode-se encontrar uma biografia intelectual de Edith Stein feita por Christian Feldmann publicada pela EDUSC, 2001: Edith Stein. Judia, Atéia e Monja.

 

Maria Zambrano (1904-1991) Nasceu em Vélez-Málaga, Espanha, em abril. O pai, um catedrático, estabelece profunda amizade com o poeta Antonio Machado. Em 1924 conhece Ortega y Gasset que a introduz no meio cultural  madrilenho, principalmente na tertúlia da Revista de Occidente. Completa o curso de Filosofia em 1927, onde estudou  com Xavier Zubiri, García Morente e Ortega. No período que antecede a guerra civil espanhola, sucedem-se uma série de atos públicos e de grande intervenção política como a criação da Liga de Educação Social, mais tarde assaltada e encerrada pela polícia. Em 1936 Maria Zambrano faz parte de um grupo de intelectuais que, com missões pedagógicas, iniciam uma nova experiência de educação popular. Percorrem povoados e aldeias remotas levando-lhes pela primeira vez o cinema, a pintura, o teatro e a música clássica. Em janeiro de 1939 para um exílio de 45 anos, vivendo em Havana, México, Paris, Roma e Suíça, onde continuou seu trabalho como professora de filosofia até finalmente regressar a Madri em 1984. Morre em 1991, em meio a um enaltecimento de sua obra e de personalidade, tendo recebido vários prêmios. A relação entre a filosofia e a poesia, o mito e a razão, a paixão e o intelecto, a obra e a ação, o papel dos intelectuais e o sentido da história parecem ser a principal preocupação de Maria Zambrano. Pode-se perceber as influências do pensamento ortegiano e heideggeriano em sua obra, mas seu estilo e escritura se impõem com uma marca própria. Propõe a superação do racionalismo através de uma “razão poética”, cujo exercício prático pode ser verificado em sua própria obra. Partindo de uma epoké fenomenológica de cunho místico – o silêncio que deixa falar as coisas -  Zambrano segue a idéia heidegeriana de que a essência dominadora da razão ocidental, desde Platão até o idealismo alemão, construiu um logos desencarnado, desarraigado, que deprecia a vida, um espírito que nega o imediato para afirmar sua liberdade absoluta. Frente ao logos que que faz do homem contemporâneo um ser exilado e nihilista, Zambrano reclama uma razão poética que seja uma mediação para recuperar o contato com a terra, sem cair no irracionalismo. A influência de Jung em sua obra, evidente na própria terminologia (animus/anima), leva a filósofa a destacar a polaridade histórica dos sexos como o dualismo alma/feminina intelecto/masculino. O tratamento que faz das figuras emblemáticas de Antígona e Diotima se encontra demarcado, portanto, na missão salvadora que acompanha a palavra feminina. Esta missão, entretanto, é o reverso da crítica que faz ao feminismo “nada é nem vale o moderno feminismo” (em : Eloisa ou a existência da mulher) já que, segundo Zambrano, este participa do racionalismo moderno que considera que deve ser superado. Talvez este aspecto tenha lhe valido o reconhecimento de pensadores como Cioran, que elogia a profundidade filosófica de Zambrano afirmando que “não vendeu sua alma à Idéia” e por isto não se tornou “presunçosa e agressiva” como toda mulher que se dedica à filosofia... (El País, 4.11.1979)  OBS.: Em português, a Assírio e Alvim publicou, em 2000, a coletânea de textos A Metáfora do Coração e outros escritos.

 

Hannah Arendt (1906-1975) Johannah Arendt nasceu em Hannover, Alemanha, em 14 de outubro de 1906, filha dos judeus Martha Cohn Arendt e Paul Arendt, naturais de Köningsberg, capital da Prússia Oriental. Esta cidade, famosa por ser também o lar do filósofo Immanuel Kant, recebera diversas famílias de imigrantes judeus russos ao longo do século XIX, entre elas, as famílias Cohn e Arendt, bem estabelecidos comerciantes. A jovem Hannah logo revelou suas preferências intelectuais, demonstrando gosto pela poesia, literatura, e teologia. Sua mãe acompanhava e estimulava seu progresso intelectual, e apoiava suas afirmações perante as autoridades escolares quando se tratava de ofensas pessoais. Num certo episódio, um professor a ofendera e a jovem, então com quinze anos, liderou  um boicote às aulas desse professor e acabou sendo expulsa da escola. Antes mesmo de terminar seus exames de ensino médio, já freqüentava os cursos livres da universidade de Berlim: grego, latim, e palestras sobre teologia cristã e acompanhava os debates acerca da escola de existencialismo que começava a florescer na Alemanha. Com 18 anos, ingressou na universidade de Marburg, decidida a estudar teologia. Nesse período, Hannah Arendt, admirada por seus dotes intelectuais, recebe de seus colegas o apelido de “Pala Atenas”. Acabou fazendo seus estudos regulares em Filosofia, pois encantou-se com a fenomenologia de Edmund Husserl e com um jovem e promissor professor de filosofia: Martin Heidegger (Ser e Tempo:1926), que lhe despertou a paixão pelo trabalho com o pensamento. Muitos anos mais tarde, por ocasião do octagésimo aniversário do seu antigo professor, veio a tona o fato que houvera entre eles um romance secreto. Para seus estudos de doutorado, o próprio Heidegger recomendou-a à Karl Jaspers (Psicologia das Visões de Mundo:1929), psiquiatra e filósofo que lecionava na universidade de Heidelberg. Com este novo mestre e professor, realizou sua tese sobre o conceito de amor em Agostinho, e, durante os anos de exílio nos Estados Unidos, manteve sempre uma correspondência intelectual e de respeitosa amizade com Jaspers, a quem sempre procurou quando, mais tarde, voltou a visitar a Alemanha. Em 1933 foi para Paris, já casada com seu primeiro marido, Günther Stern, e trabalhou para uma organização sionista que ajudava crianças e mulheres a imigrarem para a Palestina. Em Paris conheceu um militante comunista, amigo de Berthold Brecht, que viria a tornar-se seu segundo marido: Heinrich Blücher. Em 1941 o casal chega em Nova Iorque, numa situação econômica muito precária. Lentamente, a vida se reorganiza. Hannah Arendt começa então suas pesquisas e lança o primeiro livro de impacto junto à opinião pública, As Origens do Totalitarismo (1951). A partir de então, a intelectual alemã redireciona toda a sua formação teórica para empreender a tarefa de pensar os acontecimentos de sua época. Pensar de um modo novo a política e criticar a tradição filosófica de abordagem da política passa a ser o seu tema. Hannah Arendt começa a fazer as perguntas que interrogam o seu tempo e os seus contemporâneos: O que estamos fazendo? A política ainda tem ainda, de alguma forma, um sentido? Seus ensaios tratam da crise da cultura, da educação, da ruptura entre o passado e o futuro e das relações entre política e filosofia. Suas reflexões e críticas dirigem-se às ciências sociais, mas seus escritos alcançam a todo o leitor médio universitário interessado em compreender o que está acontecendo, o que aconteceu, o que se pode ainda esperar. Além de uma série de artigos em colaboração para revistas e periódicos, e de cursos eventuais que realizou em diversas universidades americanas e européias até o fim  de sua vida - ela faleceu durante a elaboração da última parte de sua última obra: A vida do espírito. O Pensar, O Querer, O Julgar, em 1975, entre um café e outro, de ataque cardíaco – podemos destacar algumas obras fundamentais para todos aqueles interessados em seu pensamento, além daquelas já citadas: A Condição Humana. (1958); Entre o Passado e o Futuro. (1963); Eichmann em Jerusalém. Um relato sobre a banalidade do mal.(1963); Crises da República (1969); Lições sobre a Filosofia Política de Kant (1982). OBS.: Informações biográficas selecionadas do livro de sua ex-aluna e colaboradora Elizabeth Young-Bruehl. Hannah Arendt: Por amor ao mundo. Rio de Janeiro: Relume-Dumará,1997.

 

Simone de Beauvoir (1908-1986) Nasceu em Paris, primeira filha de uma família de situação econômica confortável. Duas experiências marcam sua juventude: a leitura de Balzac, que a faz perceber que já não acredita em Deus e a intensa amizade com Elizabeth Mabille (Zazá), sua “única relação não livresca” de adolescência, que morreu jovem de um mal desconhecido. A experiência da morte de Zazá impressiona profundamente Simone, e permite a descoberta do sentido do luto, da morte, do absurdo da vida. Elas haviam se inscrito juntas para a universidade de Sorbonne, onde Simone estudou matemática e filosofia e conheceu Jean-Paul Sarte (1905-1980) e Paul Nizan, entre outros que fariam parte do grupo de intelectuais franceses mais importantes após a Segunda Guerra Mundial. Muito jovem já era uma leitora ávida e decidiu precocemente ser uma escritora. Orientou-se por este projeto e deixou vasta obra literária e filosófica, sendo que muitos dos seus textos são autobiográficos, como Memórias de uma Moça Bem Comportada (1958), A Força da Idade 1960), A força das Coisas (1963), Uma Morte muito Doce (1964), Balanço Final (1972) e A Cerimônia do Adeus (1981). Nestes textos, retoma e examina recorrentemente, os primeiros trinta e cinco anos de sua vida, examinando a fundo este período de sua vida e estabelecendo conexões sempre novas com suas experiências posteriores. A vida adulta de Simone esteve marcada pelos acontecimentos culturais e políticos da época e decididamente vinculados à sua relação intelectual e afetiva com Sartre. Foi colaboradora assídua da revista Le Temps Modernes, fundada por ele e Maurício Merleau-Ponty em 1945, e nas décadas de 50 e 60 viajou pelo mundo debatendo sua produção filosófica e literária, bem como interagindo com vários grupos políticos e feministas. Por uma moral da Ambigüidade (1947) e O Segundo Sexo (1947), sua obra mais famosa, que tornaram-na um ícone da movimento feminista dos anos 60 e 70, consolidam Simone como uma filósofa existencialista, que também utiliza os pressupostos fenomenológicos e do materialismo histórico para pensar o seu tempo. Em 1970 escreve A Velhice, que retoma as análises de O Segundo Sexo para tratar do tema existencial do envelhecimento na perspectiva da mulher. Ganhou um prêmio literário por Os Mandarins (1954) e fez sucesso com a narrativa Todos os Homens são Mortais (1946) e A Convidada (1967). Em 1957, escreveu A Grande Marcha, sobre a Revolução Chinesa, um estudo documental, crítico e problemático sobre a China após a revolução de 1949. Junto com Sartre, foi nomeada membro do Tribunal Russerl, o tribunal internacional encarregado de julgar os crimes cometidos pelos norte americanos e seus aliados na guerra do Vietnã. Em 1968, polemizou sobre a invasão soviética à Tchecoslováquia e se uniu ao movimento estudantil do chamado maio francês. A partir dos anos 70, engajou-se ativamente nas ações do Movimento de Libertação das Mulheres, grupo feminista da “Segunda Onda” francês e participou com os dissidentes russos em ações de solidariedade em favor dos perseguidos por motivos ideológicos e políticos. Falece em 1986, seis anos após a morte de Sartre.

 

Simone Weil (1909-1943) Nasceu em Paris, filha de uma família judia, mas não recebeu educação religiosa. Foi aluna do filósofo Alain [Émile August Chartier] de 1925 até 1928; em 1931 conseguiu a habilitação para ensinar filosofia na Escola Normal Superior. Durante alguns anos foi professora do instituto mas, seguindo seu impulso político e sua fé caritativa, decidiu fazer parte da classe operária: dividia seu salário com eles e se interessava por seus problemas humanos e sindicais. Renunciou ao ensino em 1934 e começou a trabalhar como simples operária. Em 1936, quando estourou a guerra civil espanhola, partiu para unir-se aos militantes antifranquistas impulsionada por um internacionalismo que comprometia os intelectuais, escritores e militantes de esquerda do mundo todo. Vítima de um acidente, viu-se obrigada a voltar. Dedicou-se, então, a viajar pela Itália, onde também visitou Assis. Em 1938, já iniciada sua “conversão” ao catolicismo, situou o problema religioso como o centro de seus interesses. Simone Weil nunca chegou a ser uma católica, mas buscou elevar-se em uma religiosidade essencial que brotava de suas intuições mais pessoais e profundas. Suas reflexões políticas e filosóficas, a partir da análise do marxismo e de sua experiência na fábrica, é uma crítica às idéias de poder, de estado e de burocracia, e uma análise do esvaziamento e da perversão da autoridade, ao mesmo tempo em que defende o trabalho como valor humano, um símbolo de humanidade e materialidade do homem e defronta-se com sua condição de alienação estrutural e metafísica. Daí surge a necessidade religiosa, ao resgate do caráter sagrado da experiência moral e das relações humanas e mundanas. Sua contribuição filosófica política e moral, aliada ao seu percurso biográfico, revela uma das personalidades mais complexas e interessantes do século XX. Seus textos refletem e tematizam sua experiência e suas intuições, bem como seu percurso pelo marxismo até a religião como experiência iluminadora do sentido da ética.  Reflexões sobre as causas da liberdade e da opressão social (1934); Reflexões sobre as origens do hitlerismo e A Ilíada, poema da força (1939); Deus em Platão (1940); Intuições pré-cristãs (1941-42); Apego. Prelúdio para uma declaração dos deveres para o ser humano (1942-43). Sua saúde debilitada ao longo dos anos a levou a morrer em agosto de 1943, no sanatório de Ashford, em Londres, onde ainda se dedicava a um último projeto político e de pesquisa.

 

Angela Davis. Esta norte americana ficou internacionalmente conhecida na década de 70 como ativista radical do movimento político black power- as panteras negras. Oradora brilhante, seus escritos mais populares em periódicos de divulgação da causa negra revelam habilidades analíticas sofisticadas. Sua persona pública está associada a elementos míticos de uma época em que o movimento estudantil alcançou proporções internacionais e o movimento negro alcançava uma dimensão política sem precedentes na trilha das reivindicações de Martin Luther King (também filósofo). Poucos sabem Davis que teve formação filosófica acadêmica, foi aluna de Herbert Marcuse e fez seu doutorado na Alemanha, na Universidade de Frankfurt, estudando Kant, Hegel e Marx com Habermas e Adorno (que orientou sua tese), entre outros. Nos Estados Unidos, em sua graduação, havia estudado com Herbert Marcuse e há uma hipótese de que ele se refira a ela em seu Ensaio sobre a Liberação(1969) “ What are the people in a free society  going to do? The answer which, I belive, strikes at the heart of the matter was given by a young black girl. She said: for the first time in our life, we shall be free to think about what we are going do.” Interessava a Angela Davis as ferramentas e os pressupostos da teoria crítica dos pensadores da Escola de Frankfurt, assim como interessava a ela sua própria realidade e o destino político da comunidade negra norte americana. E interessava-se por estes temas como mulher, negra, política e pensadora, não nesta ordem, mas de uma forma indissociável.  É por isto que na filosofia vai debater os conceitos de liberdade e liberação, bem como reivindicar a reflexão sobre sexismo e racismo como temas teóricos relevantes, ao lado de classe e poder, do mesmo modo que na militância no movimento pela Liberação Negra americana, vai lutar para incluir a perspectiva de gênero. Davis considera o racismo e o sexismo, junto com as classes sociais como os elementos que constituem os pilares do capitalismo. Ação e reflexão são dois aspectos inseparáveis de sua vida e obra, e seu trabalho enfocou três áreas: teoria crítica, teoria da liberação negra, teoria feminista. Seus escritos trazem um pensamento transformador para a reflexão filosófica no século XX, embora as questões que levantou ainda estão longe de serem superadas. Os títulos de alguns de seus trabalhos são: Lectures on Liberation (1971); Angela Davis: An Autobiography (1974); Women, Race & Class (1981); Meditations on the Legacy of Malcon X (1992); Afro Images: Politics, Fashion, and Nostalgia (1994); Black Women in Academy (1994) Na Essay on Liberation (1969) (conf. artigo Notorious Philosopher. The  transformative life and work of Angela Davis, em: Linda Lopez McAlister, Hipatia’s Daugethers)

 

OBSERVAÇÕES FINAIS: Da segunda metade do século XX até agora, a lista de mulheres que se ocupam da filosofia (em suas interfaces com outros campos do conhecimento ou que participam de ações afirmativas para a transformação da condição da mulher na saúde, no trabalho, na vida doméstica, na educação dos filhos, na produção teórica e na participação política) cresceu vertiginosamente. Gradativamente, as mulheres conquistam o espaço acadêmico e começam a transformar o feminismo e as questões de gênero em linha de pesquisa nas mais diversas áreas. Caberia então continuar esta pesquisa e analisar as características da abordagem filosófica feminina deste período recente da história e as transformações da agenda feminista internacional, bem como levar em conta as implicações de um marco eurocêntrico  na reconstrução ou genealogia das mulheres filósofas.

 

POR FAZER: A CONTRIBUIÇÃO INTELECTUAL DAS MULHERES NO BRASIL 

Para uma apresentação da contribuição histórica do pensamento das mulheres no Brasil é preciso fazer uma pesquisa em várias fontes, uma tarefa que apenas começamos a vislumbrar. Indicamos algumas fontes iniciais para uma pesquisa deste tipo. O Dicionário Mulheres do Brasil (SCHUMAHER e BRAZIL: Zahar, 2000) é uma fonte diversificada; A História da Filosofia no Brasil, vol. 3 e 4 (JAIME: UNISAL/VOZES, 2000) é uma fonte específica. La Filosofía en América Latina (GUY, Alain: Acento Editorial , 1998) um panorama da filosofia pós-colombiana, com destaques de contribuições femininas brasileiras em um panorama mais abrangente das influências européias nos trópicos. Provavelmente encontraremos teses de mestrado ou doutorado sobre o tema, se procurarmos. De toda maneira, é uma bela oportunidade para conhecer a nossa história desde uma outra perspectiva e resgatar a memória das mulheres que participaram dos acontecimentos políticos e contribuíram para o desenvolvimento da filosofia entre nós.    

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