MUNDOS DIALOGADOS   

 

Criatividade transitando pela  Educação

O HIPERTEXTO desse mês retomou suas origens promovendo um diálogo entre três pessoas muito especiais. Juan Rodrigo é espanhol e diretor da ATICO consultoria em Criatividade, situada na cidade de San Sebastian, no pais vasco, Espanha.Enrique Matheo é gualtemateco, Vice-Ministro de Cultura da Guatemala e diretor do espaco cultural EL SITIO, situado na cidade de La Antigua na Guatemala. Paulo Benetti é brasileiro e consultor na área da criatividade, com sede na cidade do Rio de Janeiro, no Brasil.

O que pessoas tão diferentes podem ter em comum? Além de muita simpatia, inteligência, disposição e alegria, esses senhores têm como ponto convergente, um curso de mestrado na área de criatividade aplicada, realizado na cidade de Santiago de Compostela. Portanto, todos são investigadores na área e atuam cotidianamente com o tema, a partir de diferentes perspectivas, uma vez que prestam serviços diferenciados que vão desde o campo empresarial, passando pelo publicitário e o cultural. 

Nosso encontro ocorreu na cidade de Barcelona, por ocasião de um congresso de criatividade no qual todos compartilhavam suas distintas experiências. O que você, caro leitor irá ler, será o reflexo desse encontro. O texto estará dividido em duas partes, na primeira os convidados falam sobre o que pensam sobre a criatividade. Na segunda parte, eles falam o que pensam que é papel da  educação com relação à temática da criatividade. Estão todos convidados a participarem dessa conversa. Bem vindos! 

PARTE I: SOBRE CRIATIVIDADE 

Paulo Benetti 

Penso que a criatividade é um processo mental através do qual se chega numa idéia nova. É um processo aberto, democrático, porque qualquer pessoa pode desenvolver idéias em qualquer campo. Entretanto, para que a idéia criativa tenha sucesso, será necessário transformá-la em inovação e isso é um processo fechado, porque depende de conhecimentos específicos de cada área. 

Enrique Matheo 

Para mim, a criatividade é uma característica que diferencia o homem do animal e dinamiza a história, porque é resultado de reflexão, de análise e de crítica de uma situação que produz uma nova situação. O resultado final disso é a evolução da humanidade.

Ainda penso que a capacidade criativa está em todos, ainda que de diferentes formas. Mas, quando uma pessoa torna-se consciente dessa capacidade criativa, precisa assumir a responsabilidade de tornar-se protagonista da história.

 

Juan Rodrigo 

Para mim, a criatividade é a capacidade de gerar mudanças, que todos os sistemas têm. Está presente em qualquer sistema aberto ( orgânico e inorgânico). No ser humano, está mediada pela capacidade simbólica.

É ainda, a capacidade humana para propor-se problemas, para os quais não se sabe ao certo se a solução será possível. Da mesma maneira que a capacidade criativa nos ajuda a propor problemas, também nos ajuda a resolvê-los, e, a meu ver, essa é uma segunda fase do processo criativo.

Quando digo sistema, penso tanto em indivíduos, quanto em grupos que serão mais criativos ou menos, segundo a intenção de transformar sua realidade em melhores condicoes de vida, quer sejam elas econômicas ou éticas, por exemplo.

A criatividade é mediada pela vontade, mas depende do sistema como um todo, por isso penso que não é apenas uma capacidade mental.

Qualquer sistema produz coisas! O ser humano, enquanto grupo, produz coisas e isso é criação!

 

Paulo Benneti: 

É a gota de chuva que se transformou em lágrima de prazer...

 

Juan Rodrigo 

Mas isso que você diz é poesia e eu falava de outros âmbitos. Vou buscar uma imagem para me ajudar a explicar o que quero dizer. O deserto é um sistema mais estável em função do número de elementos que o compoe e sempre vai mudar menos e produzir menos que um sistema como o da selva, porque nela há um número maior de relacoes e distintas combinacoes. Quanto mais mais complexo e cheio de elementos é um sistema, mais ele pode produzir e gerar criação. É isso que eu queria dizer quando afirmava que a criatividade não é apenas uma capacidade mental.

Mas, considero importante afirmar que o termo criatividade está muito manuseado e muitas vezes, mal manuseado. Ou seja, em nome da criatividade é produzida “ poesia de baixa qualidade” , por exemplo. Para mim, uma criação ruim não merece ser chamada de produção da criatividade humana. E há que estar atento para isso também.

Além disso, penso que o melhor verso do mundo não é criatividade, é produto criativo! Gosto de buscar a precisão conceitual. Para mim, a criatividade é uma capacidade, uma potencialidade. Não concordo com Benetti, quando diz que a criatividade é um processo, se assim o fosse teríamos que mudar toda a linguagem. Por exemplo, não poderíamos afirmar que é necessário desenvolver a criatividade das crianças, porque o que se desenvolve no interior ds pessoas, não é um processo e sim uma capacidade. Se fosse processo deveríamos dizer que podemos repeti-lo com distintas pessoas.

 

Enrique Matheo 

Mas, as pessoas podem iniciar um processo hoje e desenvolvê-lo sequencialmente daqui em diante.

 

Juan Rodrigo 

Não estou contra esse conceito. Apenas digo que se alguém afirma que a criatividade é um processo, ela precisa ser coerente com essa afirmação até o fim. Não gosto das incoerências teóricas que existem nos discursos dos experts em criatividade, porque fazem com esse campo não tenha seriedade. Imagina se os médicos fazem algo assim, o que ocorreria?

 

Paulo Benetti 

Penso que é importante compreender o que é processo. Vejo uma oportunidade, tenho um desejo e começo a procurar respostas até chegar à uma solução ou uma satisfação. Avalio se a resposta é adequada ou não. Todos esses passos para mim compoem o que chamo de processo. E, penso que posso interferir nisso propondo ferramentas para os distintos momentos desse processo. Posso deliberar e pensar solucoes para cada problema. Quando proponho a mim mesmo distintas questoes e encontro diferentes respostas, chegando aos insights finais, passo por um processo que é o que chamo de criatividade e é nele que eu posso atuar.

 

Enrique Matheo 

Tenho dúvidas, por isso vou perguntar:

 

-         O que é criatividade?

-         O que é um ato criativo

-         O que é um pensamento criativo?

-         A criatividade existe ou somente existem pensamentos e atos criativos? 

Quando faço essas perguntas, é porque não tenho claro se se trata de uma capacidade, um processo ou se a criatividade não passa de um conjunto de atos e pensamentos. Digo isso porque tenho a sensação de que o que faz com o ser humano crie o futuro são os pensamentos e os atos criativos. Se não é assim, o que produz novas realidades e o avanço da humanidade? Quando me pergunto essas coisas chego na relação entre a reflexão, a análise, a crítica e a avaliação. Se isso é processo ou desenvolvimento de alguma capacidade humana já não sei. Mas, sigo com a pergunta é a decisão que produz o pensamento criativo? Ou é o compromisso com um pensamento criativo que conduz à ação criativa?

 

Paulo Benetti 

Para mim, falar da definição dele de criatividade é como discutir o amor: quanto mais falamos, mais nos distanciamos dele. Portanto, é melhor amar do que ficar falando do amor. Assim como é melhor criar do que falar sobre a criatividade. Existem coisas que são para serem vividas e praticadas e não se prestam a deficoes.

 

Juan Rodrigo 

Mas, o amor é também um conceito...

 

Paulo Benetti 

Certo, mas o mais importante não é o conceito. Quando dou cursos de criatividade, peço a meus alunos para definir criatividade, mas só no momento inicial e para contextualizar, depois isso não interessa mais. Criatividade é a coisa mais aberta que eu conheço.

 

Juan Rodrigo 

Estou de acordo com Benetti em quase tudo, apenas acentuo a questão da decisão, da intenção, da vontade. Cria quem quer! Além disso, para mim a criatividade não é apenas o processo criativo.

 

Enrique Matheo 

E eu sigo com as minhas perguntas...

 

 

PARTE II: SOBRE O PAPEL DA CRIATIVIDADE NA EDUCAção E VICE - VERSA  

Paulo Benetti 

Penso que a educação no Brasil tem o compromisso de mudar a si mesma, porque hoje ela é desqualificadora das pessoas. Um exemplo disso é o sistema de avaliação, valorar com notas gera insegurança entre outras coisas. Sou muito crítico com isso que chamam de qualificação. Se não há uma mudança significativa nisso, ficaremos sem chances de superar nossas deficências. E, inclusive estaremos sempre atrás com relação aos demais países. 

Penso que a base da criatividade para crianças está no desenvolvimento da atitude positiva com relação ao erro. Elas precisam aprender a assumir riscos. A escola precisa motivar a curiosidade dos alunos, mais que a absorção de informação. Se ocorre uma mudança significativa nisso, haverá uma revolução e grande! Mas, tem que ser de verdade, só discurso não vale!

 

Enrique Matheo 

Penso que antes de mais nada, o sistema formal de educação tem que reconhecer a capacidade de educar que os demais agentes têm. Conscientizar-se da capacidade educativa dos elementos sociais para que se seja capaz de responder e até de se antecipar às mudanças sociais. 

 Um exemplo disso são os meios de comunicação, eles interferem muito na educação de crianças e jovens. Esse fato tem que ser melhor assumido , porque assim todos podem responsabilizar-se. Para mim, todos temos capacidades criativas inatas, portanto, todas as crianças são potencialmente criativas. O sistema educativo deve respeitar essa capacidade das crianças e deve buscar fazer com que os demais agentes culturais e educacionais facam o mesmo. Algo importante a ser feito é não permitir que nem os meios de comunicação ( que têm um peso muito grande), impeçam essa capacidade criativa de se desenvolver, nem a própria escola e os demais agentes. A atitude passiva que vem sendo reforcada é totalmente anti – criativa. 

Um outro ponto a ser considerado é que deveria haver uma maior preocupação com a formação do professor. Os educadores deveriam ser estimuladores da capacidade criativa da sociedade, ou seja, não apenas das crianças e jovens, mas dos pais e dos familiares também. 

Além do mais a escola deveria responsabilizar-se pela formação de líderes da mudança, despertando o espírito protagonista das pessoas na história. E isso passa por não formatar as pessoas e por estimular a diversidade. 

Deve-se estabelecer o rompimentro de muros, ir além da escola, ser sensível às formas criativas da sociedade, ouvi-la e não impor-se a ela. Reforçar valores que fazem com que as pessoas sejam diferentes, apoiando e estimulando portanto as peculiaridades e originalidades. Enfatizar valores como originalidade, senso crítico, investigação, questionamento, dúvida e solidariedade. 

Para mim, a escola deveria abolir todo e qualquer tipo de dogmatismo, tonrnando-se a expressão da ideía de que sempre existe mais uma possibilidade. 

 

 

Juan Rodrigo 

Para poder pensar a relação entre criatividade e educação, eu uniria o conceito de liberdade ( democracia), e respeito a todos ( pessoas e manifestacoes diversas). Uma vez que para estimular a criatividade é preciso também aprender a lidar bem com a capacidade crítica. Para ser criativo é importante colocar todas as idéias em questão, mas sem querer destruir os demais em nome dessa atitude de constante perguntar e duvidar. 

Outra coisa importante é não perder a capacidade de brincar. A ludicidade é básica na questão da criatividade. 

Além disso, os currículos deveriam ter oficinas de criação ou uma disciplina regular que se encarregasse do aspecto prático disso. Para serem criativas as crianças precisam construir, inventar e fazer coisas que não existem. Isso é mais importante do que transformar crianças em armazéns de informação. E para tanto, há que se centrar nos processos de pensamento e mudar o papel da memória.

 

Paulo Benetti 

Para finalizar gostaria de deixar como mensagem aos leitores da revista LINHA DIRETA o desejo de que transformem as escolas em locais de permanente mudança de processos. 

Enrique Matheo 

E eu gostaria de dizer que espero que sejamos capazes de criar escolas que sejam sistemas auto-críticos e ao mesmo tempo que ajudem as comunidades a serm auto críticas também, possibilitando assim uma melhor avaliação geracional e cultural.

Espero que isso ajude a instaurar uma grande flexibilidade através da qual cada um possa expressar-se a partir de sua própria cultura, mas com capacidade de compreender as diferentes cultural e o que é criatividade para cada um.

Espero que os educadores ajudem a investigar mais o próprio conceito de criatividade, mas a partir de uma perspectiva multicultural, uma vez que nos tempos atuais isso é imprescindível. 

Juan Rodrigo 

Como somos seres que repetimos e imitamos facilmente, penso que as escolas precisam dedicar tempo semanal para a criação. Porque nada mais importante para os tempos atuais do que aprender a criar!

 

CREARMUNDOS

Esperamos que as diferentes atitudes e idéias surgidas nesse encontro possam colaborar para que nosso leitor inspire-se e busque cada dia elementos para fazer possível essa sociedade mais criativa!